Rescaldo UTRP 2016
Tinha todos os motivos do mundo para não escrever esta crónica. Levei com a marreta no UTRP—Ultra Trilhos Rocha da Pena, desisti aos 40k e podia fazer o que faz o Zé-Povinho—Atleta quando as coisas correm mal: ficar calado e assobiar para o lado. O Zé só escreve quando as coisas correm bem—e eu, se fosse esperto, faria o mesmo. Era da maneira que não perdia os meus patrocinadores. Acontece que eu tenho cu—e, como diz o povo, quem tem cu tem medo. O meu medo chama-se Mary Vieira. Cruzei-me com ela, aos 40k, depois de levar a maior marretada da minha carreira desportiva—e ela fez-me prometer que eu faria referência ao facto na presente. Caso contrário, ela dava-me um enxerto de porrada de criar bicho. Repito: enxerto de porrada de criar bicho. E assim foi: ela ameaçou-me e eu venho aqui dar o corpo ao manifesto, a mão à palmatória e o rabinho ao clister. Juro que direi a verdade, toda a verdade e nada mais do que a verdade. Aos 29k disseram-me que ia a 1min do Javali Rui Pacheco e, com vista à classificação colectiva, decidi arriscar nos 10k seguintes com vista a apanhá-lo. Resultado: levei uma marretada tão grande, mas tão grande, que nem vos passa pela cabeça. Não passa pela vossa, mas passou pela minha. Desta vez não foi o Homem da Marreta que me atacou. Foi aquele herói da Marvel que anda sempre de marreta em riste, de cujo nome agora não me lembro e não tenho pachorra de googlar. É esse mesmo. Fiquei tonto com o calor, comecei a correr em sentido contrário, cruzei-me com a Mary e ela riu-se do meu estado quasi comatoso. Foi triste! Tenho rezado todos os dias a nossa senhora dos empenhados para que não haja registos fotográficos do meu abanico.
Ainda a propósito do meu furo no UTRP, façam-me um favor: parem de partilhar frases inspiradoras estúpidas [ex: «Never Give Up», «Nothing is Impossible», «It does not matter how slow you go as long as you don’t stop.»] e partilhem a sabedoria de quem percebe da poda:
«Chegar ao limite é uma coisa. Ultrapassá-lo é outra.»
—Jorge Serrazina na revista "Running" #14.
A ti, que nunca desistes, tenho o seguinte a dizer: ultrapassem os vossos limites e eu prometo que vou à vossa missa de 7.º dia.
Nunca tinha dormido em solo duro. Foi a primeira vez em 5 anos de Trail e posso dizer, com todo o amor e carinho, que foi uma experiência horrível. Há 3 verbos que me vêm à cabeça quando me recordo daquela noite fatídica: gritar, ressonar e peidar. Para supostos desportistas, andam por aí muitos praticantes de Trail com apneia do sono. Homens e mulheres. Aliás, para mim o ronco das mulheres é bem pior do que o ronco dos homens. É um ronco assobiado, por oposição ao ressonar melodioso dos homens. O ronco do meu companheiro moçambicano está ao nível de uma canção de embalar. [Já agora, aproveito para mandar um beijinho ao meu Eusébio.] Pontualmente, recortando o concerto de roncos, alguém acordava estremunhado de um pesadelo e gritava: “Marreta!”. Também acordei estremunhado inúmeras vezes. No meu caso, os pesadelos não foram o problema. Não os tive. A minha cruz foram as gajas que se tentaram enrolar com as vedetas da EDV-Viana Trail. De um lado tinha o Pedro Rodrigues e o Rui Seixo; do outro tinha o Jérôme Rodrigues e o Presidente Alcobia. Não preguei olho a noite toda e não podia ter ficado mais aborrecido, pois eles recusam a minha companhia sempre que me tento enrolar com eles. Quanto à flatulência, estava montada uma “Guerra de Traques” entre o lado sul do pavilhão (comandado pela vara do Arrábida Trail Team) e o lado norte (comandado pela EDV-Viana Trail). Em termos qualitativos (i.e. ruído), venceram os Javalis. Os Porcos-Bravos dispunham de colchões insufláveis e estes ampliavam o volume das bufas projectadas de barriga para cima. O Lino Luz chegou a furar o seu colchão em resultado de uma bufa mais violenta. Já em termos quantitativos, os nortenhos não deram hipótese. Resultado: 524 – 178. A esta distância dos acontecimentos, podemos considerar que os peidos foram o prenúncio do que aconteceu no dia seguinte. Em baixo publicamos um vídeo exclusivo do "Solo Duro" do Ultra Trilhos Rocha da Pena. Atenção: este vídeo contem imagens e sons que podem ferir a susceptibilidade dos telespectadores mais sensíveis.
Ao fechar a equipa da EDV-Viana Trail na 9.ª posição à geral, Tiago Teixeira (a.k.a. Todo-o-Terreno) protagonizou um dos momentos altos do UTRP, garantindo a vitória colectiva na prova algarvia e o Tri-Campeonato Nacional de Trail Ultra para as cores auri-negras. Este momento foi apenas suplantado pelo triplo sato mortal encarpado à retaguarda realizado pelo atleta abaixo identificado. A técnica apurada e a entrada sem splash valeu-lhe 9.5 numa escala de 10. Eis o momento da entrada na água:
Para melhor relatar a proeza do TT, passo a palavra ao Jérôme Rodrigues—ele que se deslocou ao Algarve (e gramou 12h de autocarro) com o único propósito de dar apoio aos seus colegas de equipa. No seguimento da inacreditável prestação do Tiago, o Lince escreveu o seguinte no grupo secreto da EDV-Viana Trail no Facebook:
Comovido.
Hoje assisti a algo ímpar. Já estamos habituados aos sucessos do Ricardo e às boas prestações da equipa e dos seus atletas. Mesmo assim nada fazia prever este desfecho.
As provas rolantes não são de todo a praia dos auri-negros (à excepção da polivalência do Ricardo) e, por isso, todos foram afectados pelo cansaço e pela velocidade inicial da prova.
Aos 39 km, o abastecimento concentrou 4 atletas nossos com um atraso considerável sobre os líderes da prova. Aconselhei os nossos rapazes a abrandarem para não se comprometerem e terminarem a prova.
O TT não se convenceu e disse: ” Hoje vamos ganhar!” Confesso que o achei no delírio. Era impossível recuperar cerca de 10 minutos, nos 11km que faltavam, sobre os atletas que fechavam as equipas adversárias.
Resultado: o TT recupera de forma inexplicável e termina em 9 lugar, passando os atletas supramencionadas e dando a vitória à equipa. Se fechámos a equipa, devemo-lo ao nosso menino de ouro. O único que acreditou, quando os seus próprios amigos de equipa duvidaram!
Obrigado TT por conquistares o título por nós!
O dia terminou em beleza. Num bonito convívio entre os atletas da EDV-Viana Trail e as atletas da equipa Dr. Merino / Nutrifit, estas queixaram-se dos homens da sua equipa. A queixa é sempre a mesma: eles não dividem tarefas e elas têm de fazer o trabalho todo. Eles furam; elas vão às provas todas e fartam-se de pontuar para a equipa. O nosso Presidente já me confidenciou que vai fazer uma OPA ao contingente feminino da Dr. Merino/Nutrifit.