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TOP MÁQUINA

Eu faço Trail e sou uma Máquina. E isso é Top!

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A EVOLUÇÃO DAS DESCULPAS

por Pedro Caprichoso, em 07.09.21

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O Trail Running está em constante evolução. Ele é o calçado (ao qual só falta motor), ele é o equipamento (ao qual só falta tecido anti-flatulência), ele é os relógios (aos quais só faltam tirar cafés), ele é a metodologia de treino (ao qual falta incluir um guia espiritual). Da mesma forma, as desculpas também têm registado uma evolução espectacular nos últimos anos.
 
# 1. Inicialmente, no princípio do mundo, há muito muito muito tempo, inventavam-se desculpas por 'dá cá aquela palha'. No rescaldo das provas, tudo servia para descartar responsabilidades por um resultado negativo. O Zé acerca-se de um dispositivo ligado à rede e nele computa as razões que o levaram a produzir um resultado de bosta. Ainda com sal na cara e lama nas pernas, o Zé saca do telemóvel e vira o disco e toca o mesmo: lá vem a velha história do “não abasteci convenientemente”, “parti depressa demais”, “dormi mal na noite anterior”, “o meu signo não me favorecia”, “a patroa meteu-me os cornos” e o clássico “na véspera participei numa suruba com 4 ucranianas”. Para quê? Por quê? Não há necessidade.
 
#2. Mais tarde, na idade média, há muito tempo, o pessoal começou a ficar farto de desculpas e passou às pseudo-desculpas. As pseudo-desculpas podem tomar muitas formas, mas quase todas começam da seguinte forma: «Não gosto de inventar desculpas, mas…» Ou seja, são desculpas a contra-gosto. Vocês sabem como é: eu não gosto, mas os meus patrocinadores estão a apontar-me uma arma à cabeça. No fundo, é uma versão adulterada do famoso "Agarrem-me ou eu mato-o!", sendo que ninguém me está a agarrar. Estes são os verdadeiros génios na arte de inventar desculpas.
 
#3. Por fim, no último ano, já em plena era pandémica, a arte de inventar desculpas atingiu um novo patamar. A subtileza é tal que há postas de pescada às quais bato palmas de pé. A moda agora é dizer: "Eu até podia dar desculpas, mas não vou fazê-lo." Ou seja, o que fica implícito é que há desculpas. Não sabemos quais são, mas sabemos que existem. O brilhantismo desta abordagem é que muitos olham para ela e pensam: olhem só para ele, que espectáculo de pessoa, ele tem desculpas mas escolhe não dá-las porque é um tipo espectacular. Por um lado, ficam bem vistos por se recusarem a dar desculpas. Por outro lado, como não dão desculpas, nem sequer têm o trabalho de inventá-las. GENIAL!

RESCALDO MELGAÇO ALVARINHO TRAIL 2021

por Pedro Caprichoso, em 25.05.21
#1
As mulheres do Trail estão mais gordas. Tenho a certeza que (1) nunca viram uma crónica começar desta forma e que (2) à primeira frase já perdi o eleitorado feminino, mas vamos em frente. Sem medo. As mulheres não me intimidam. Só as de bigode. Valham-nos as máscaras para tapar os buços peludos. Bendita pandemia.
 
Quer dizer, um tipo faz a sua primeira prova em 15 meses, levanta-se às 5 da manhã, faz 240k entre Viana do Castelo e Melgaço na expectativa de micar gajas boas, e o que encontro eu em exposição? Cachalotes, tulhas e toneladeiras. Como é que sei? Andei a pesá-las? Andei a medir-lhes o perímetro abdominal? Não. Não preciso. Tenho estes olhinhos com os quais a terra se vai lambuzar. Não preciso de mais nada. A minha visão identifica a copa de soutiens a 200 metros de distância. 
 
Não há forma de dizer isto de forma simpática: as t-shirts de participação no Melgaço Alvarinho Trail rebentavam pelas costuras no corpo do mulherio. Portanto, das duas uma: ou deu-se a coincidência de todas se terem enganado na escolha do tamanho aquando da inscrição, ou não se enganaram e entretanto começaram a almoçar churros com batatas fritas de pacote em roulottes de beira de estrada. Parece-me que a lei das probabilidades está do meu lado. Maldita pandemia.
 
 
#2  
No Domingo não morreram apenas chineses nos trilhos. Em Melgaço também vi muita gente a falecer. Aquilo era um cheiro a chamuscado na meta que até fazia impressão. Parecia que estava a snifar a chaminé de um crematório. Treinassem. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ámen. Valham-nos as máscaras para tapar-nos o nariz. Bendita pandemia.
 
Por outro lado, continuo sem perceber a razão pela qual as organizações obrigam os atletas a entrar de máscara nos abastecimentos. Temos de meter a máscara antes do abastecimento e depois é-nos permitido comer nos mesmos. Qual é a lógica? O bicho não pega se tivermos a boca cheia? A vantagem da máscara é que esqueci-me das toalhitas no carro e socorri-me dela para limpar o cagueiro na cabeça do pito. Já não achei tanta graça quando depois tive de voltar a colocá-la na aproximação à meta, mas isso são outros quinhentos odores de grey.
 
 
#3  
<<Socorri-me da máscara para limpar o cagueiro na cabeça do pito>>. Digam-me uma coisa com toda a sinceridade: em que outro sítio da internet têm o privilégio de ler frases com esta qualidade literária? Sei o que as vossas mentes porcas estão a pensar, mas a <<cabeça do pito>> não é o clítoris. É de orografia que falamos e não de anatomia. Para quem não sabe, o rio Mouro atravessa as freguesias de Parada do Monte, Gave, Riba de Mouro, Tangil, Segude e Ceivães, depois de nascer em Lamas de Mouro, no concelho de Melgaço. O rio é resultado da junção de três nascentes: Cabeça do Pito (cá está ela!), Portela do Lagarto e Trincheira. Percorre cerca de 30 quilómetros até desaguar na margem esquerda do rio Minho, em Ponte de Mouro.
 
A verdade é que curiosamente cheirava a bacalhau na cabeça do pito. O Matias Novo levou uma bucha num tupperware e estava a comer bolinhos de bacalhau quando me cruzei com ele. Como é possível tirar uma foto desta qualidade com uma mão na câmara, a outra no bolinho e a boca a ruminar na cabeça do pito?
 

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[Créditos: Matias Novo]

 
#4  
No que à competição diz respeito, foi mais do mesmo: tiro de partida, subidas, descidas, curvas à esquerda, curvas à direita, pose para as fotos, um xixi aqui, um cocó ali, um apalpão no rabo de uma atleta do Trail Curto acolá, sprint para a meta, pegar nos meus 5 filhos pela mão, meta e duche. Risca o duche. Não houve duche para ninguém.
 
Compreendo que não haja balneários. Sabemos que o bicho gosta de humidade e espaços fechados, mas pelo menos punham-se os bombeiros, cá fora, ao ar-livre, de mangueira na mão, a ensaboar os atletas no fim da prova. Não custava nada. Já me estou a imaginar, nuzinho da silva, de costas para o soldado da paz, e ele com a mangueira numa mão e uma esponja com sabão na outra. Bom... fica a sugestão.
 
Assim sendo, tivemos de improvisar. Para não me comprometer muito, direi apenas que invadiu-se propriedade privada e tomou-se banho nos chuveiros de uma zona contígua ao evento. Ou seja, para além da invasão de propriedade e apropriação de bens públicos, é possível que também se tenham cometido dois ou três crimes de atentado ao pudor.
 
 
#5
Agora que me lembro, não foi mais do mesmo. De todo. Para além da cabeça do pito e do Matias Novo, cruzei-me com mais fauna serrana. Vi um cão da raça castro laboreiro que mais parecia uma vaca e uma vaca cujos cornos mais pareciam os de um búfalo. Tudo à grande. 
 
Por falar em cornos, os meus estão bem. Obrigado pela preocupação. Só fiquei com o melão inchado por me terem deixado subir ao pódio do escalão M40. Fiz 40 anos há uns meses e secretamente pensei que iam ficar surpreendidos por um tipo como eu já ser veterano. A verdade é que ninguém ligou. A sério? Com a minha pele de bebé? Malditas máscaras. Maldita pandemia.
 
Estou oficialmente na crise da meia idade. Tenho dinheiro para comprar um Porsche, mas vou antes comprar um par de bastões em carbono.
 
Fui.

O triste orgulho dos adeptos de futebol

por Pedro Caprichoso, em 12.05.21

Em vez de correr como um maluquinho, vou começar a andar de cachecol ao pescoço e reclamar a vitória de uma equipa como se fosse minha—como se tivesse sido eu a marcar os golos. Para quê fazer desporto se posso ser aplaudido ao ver os outros fazê-lo? Os adeptos de futebol não dão um único pontapé na bola, mas recebem parabéns dos adeptos rivais e—espante-se!—dizem-se orgulhosos.

 

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Orgulho? De quê, exactamente? De festejarem os golos dos outros? De fazerem figas quando o adversário falha um penalti? De irem a Fátima a pé quando o clube do coração é campeão? De fazerem muita força, cerrarem o olho do cu e enviarem energia positiva aos jogadores via telepática? Orgulho, por definição, implica mérito. Se sentimos orgulho por algo é porque tivemos mérito na sua conquista. Por outras palavras: como podemos ter orgulho em algo sobre o qual não tivemos qualquer influência?

 

Sou do tempo em que o orgulho era um sentimento reservado às nossas conquistas pessoais. Senti orgulho quando fiz a cadeira de Transferência de Energia e Massa com um 10 à rasquinha; senti orgulho quando passei no exame de condução à terceira tentativa, depois de quase atropelar uma septuagenária e bater num caixote do lixo ao estacionar em espinha; senti orgulho quando acabei o Ultra Trail Serra da Freita com um andar diferente e as virilhas em carne viva. Isso é orgulho.

 

Alguns argumentam que sentem orgulho porque são sócios, pagam cotas e vão ao estádio apoiar a sua equipa. Tudo bem. Por mais insignificante que essa influência seja, é certo que ela existe. No entanto, só um lunático acredita que são as cotas e o apoio que fazem com que as bolas entrem na baliza do adversário. Outros argumentam que sentem orgulho porque tiveram a sensatez de escolher o clube A em vez do clube B. A sério? Escolheram? Escolheram nada. Um tipo é de determinado clube por acaso: por influência de familiares, amigos ou, simplesmente, porque esse é o clube que mais vezes ganha—e todos gostamos de vencedores.

 

O mesmo aplica-se ao orgulho nacionalista. Não o percebo. O que quer dizer isso de ter orgulho em ser Português? Devo felicitar toda a gente que tem orgulho em ser Português porque escolheram nascer em Portugal? Podiam ter escolhido nascer na Alemanha, Suíça ou Grécia, mas tiveram a inteligência, enquanto fetos, no útero das suas progenitoras, de escolherem Portugal. A sério? Escolheram? Lamento, mas ter orgulho por algo sobre o qual não tivemos qualquer influência não é de parabenizar. Por outro lado, não vejo ninguém dizer que tem orgulho por ter olhos castanhos, cabelo encaracolado ou uma predisposição genética para ter cancro do duodeno. 

 

Eu percebo o orgulho dos familiares dos jogadores do Sporting, da sua equipe técnica e até do roupeiro da equipa de Alvalade. O que eu não percebo é o orgulho de alguém que não tem qualquer tipo de ligação directa com as pessoas que fazem parte de uma equipa. Seria o mesmo se eu sentisse orgulho pelas conquistas do Mourinho ou do Cristiano Ronaldo. Porquê orgulho? Porque calhou nascer no mesmo país do que eles? Posso sentir-me feliz, mas não sinto orgulho.

 

Sentem-se felizes pelo vosso clube? Tudo bem. Faz sentido. Eu não estou a julgar-vos por retirarem felicidade das conquistas do vosso clube. Com a felicidade concordo. Eu também sinto-me feliz com as conquistas do João Almeida, Nélson Évora ou António Félix da Costa. Só não concordo com o orgulho. Não digam que têm orgulho. Se têm “orgulho” do vosso clube, experimentem fazerem em vez de verem os outros fazerem. Em vez de verem os outros jogarem, joguem vocês. Pratiquem desporto, compitam e ganhem alguma coisa pelas vossas próprias mãos. Talvez então saibam o que é sentir orgulho a sério.

 

O meu orgulho é este:

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Tenho medo do José Moutinho

por Pedro Caprichoso, em 07.05.21

Não tenho medo do escuro. Não tenho medo de alturas. Não tenho medo do lobo mau. Não tenho medo de morrer sozinho. Não tenho medo da claque dos Super Dragões. Não tenho medo de comer churros de uma roulote e fazer cocó nas calças. Não tenho medo de muitas coisas, mas tenho medo da Freita. Mais concretamente, tenho medo da Serra da Freita. Mais concretamente ainda, tenho 'medo que me pelo' do José Moutinho.

 

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Vejo o José Moutinho e as pupilas dilatam-se-me, fico com pele de galinha, arrepiam-se-me os pêlos do cachaço, os testículos recolhem-se-me ao interior do corpo e começo a falar com voz de peixeira a apregoar o pescado. «Mas porquê?», perguntam vocês. Porquê se o José é o pai do Trail Nacional? Porquê se o José é um amor de pessoa? Antes de mais, porque tenho cu. Não sei a origem da expressão "quem tem cu tem medo", mas desconfio que surgiu numa prisão. Mas já estamos a desconversar... Antes de esmiuçarmos a raíz do meu medo, deixem-me só que vos conte uma história de embalar. Embalar no sentido de dormir, mas daquele dormir antes de acordar no próprio vómito, à la Jimmi Hendrix.

 

Infelizmente não comecei a correr porque pesava 220kg e fumava 5 maços de tabaco por dia, pois nesse caso teria uma história emocionante de superação para vos contar. A realidade é bem menos interessante. Comecei a correr no século passado, no ano da graça de 1997. Na altura jogava futebol nos escalões de formação e foi-me proposto, por um colega de equipa, começarmos a correr nas férias grandes para chegarmos melhor preparados ao início da época futebolística. Lembro-me de sentir que aquele percurso—que nos levava 25min a subir e 15min a descer—era o nosso Kilimanjaro. Sempre pensei que teria uns 10k. Anos mais tarde, equipado com um relógio GPS, descobri que nem 4k tinha.

 

Entretanto, em 1998, consegui acabar o secundário, os meus pais deram-me um chuto no cu e fui tirar um curso para a metrópole. Deixei o futebol, continuei a correr e fiz a minha primeira prova de atletismo em 2000. Como sou um tipo que gosta de fazer as coisas com calma e não dar um passo maior do que a perna, entrei a matar na Meia-Maratona de Viseu, federei-me e continuei a fazer provas de estrada até 2012—ano em que fiz a minha primeira prova de Trail. Novamente, como sou um tipo que gosta de fazer as coisas com calma e não dar um passo maior do que a perna, escolhi os 70km do UTSF—Ultra Trail Serra da Freita para me estrear no Trail. A Freita é perto de casa dos meus pais, à data tinha 3 maratonas de estrada no currículo e julgava, do alto da minha sobranceria, que acabar o UTSF eram favas contadas. Fui ao engano. Caí 10 vezes—sim, contei-as—e pensei em desistir outras tantas. Ainda hoje não sei como, mas lá consegui cortar a meta ao cabo de 11h30—já por essa altura o Luís Mota havia tomado duche e enfardado 3 bifanas no Parque de Campismo do Merujal, local que à data era o ponto de partida e chegada da prova.

 

O meu medo está enraizado, portanto, numa experiência traumática. Lembro-me, durante a prova, de muitas vezes ter tido vontade de desistir—e só não o fiz porque as vontades não coincidiram com os abastecimentos. Caso contrário... Felizmente coincidiram com locais no cu de Judas, onde o dito cujo perdeu as botas: zonas onde não se vislumbrava uma alma penada ou uma casa habitável, num ângulo de 360º, até onde a vista podia alcançar. Lembro-me, no final, de estar a meio da segunda bifana e começar a tremer inexplicavelmente. Lembro-me, na primeira noite depois da prova, de acordar com suores frios e uma fome desmesurada, como se o meu estômago estivesse a comer-se a si próprio. Acordei às 3h da manhã e comi um frango de churrasco inteiro.

 

A dificuldade do UTSF não é a distância, não é o desnível, não é o calor, não é a exposição aos elementos. A dificuldade está na dificuldade de progressão e na imutável certeza de que o percurso nunca nos dará descanso. Nunca. Lembro-me de invariavelmente vencer uma determinada secção, olhar para trás e pensar: «O idiota que desenhou isto fez de propósito para escolher o trilho mais complicado para chegar de A a B.» A dificuldade, no fundo, é que o percurso é desenhado por um louco. Acham que estou a exagerar?

 

Em 2017, o vencedor do UTSF havia cortado a meta há coisa de meia-hora e estávamos todos à espera dos nossos restantes colegas de equipa. Eis senão quando o Moutinho se aproxima do Ricardo Silva e começa a dissertar sobre a menina dos seus olhos. O orador de pé, o destinatário do sermão sentado no chão e os demais meninos à volta da fogueira. O Pai do Trail Nacional era todo ele um espectáculo: o gesticular extravagante dos braços como se fosse abraçar o mundo; o movimento de ancas de trás para a frente como se estivesse a fazer uma pega de touros; e o entusiasmo inebriante da sua voz, deixando escapar meia dúzia de gafanhotos.

 

Estava de tal forma hipnotizado por aquela figura que, sinceramente, não ouvi metade do que ele disse. Os meus sentidos entraram em overload e, embora os meus olhos e ouvidos conseguissem captar a informação, o cérebro por vezes não tinha capacidade para interpretá-la. Precisaria de mais 4GB de RAM para que o meu sistema operativo conseguisse correr o programa Moutinho 1.0.

 

Ainda assim, pese embora o Alzheimer momentâneo, lembro-me de 3 postas de pescada que me marcaram. O Moutinho que me perdoe a indiscrição. Parafraseando, foi qualquer coisa do género:

 

"Eu não sou ninguém. Vocês é que são os intérpretes do que eu faço."

 

"A prova está desenhada para que vocês cheguem mortos aos 30k."

 

"Não me interessa que o vencedor seja o mais forte fisicamente. Interessa-me que seja alguém que se conheça bem a si próprio e saiba gerir bem a prova."

 

Tudo isto para dizer que estou inscrito no UTSF e que a prova é daqui a menos de 2 meses. Até já tenho pesadelos. No outro dia sonhei que estava a ser engolido pelas 'goelas do mundo'. Não sei o que fazer. Acendai uma velhinha por mim e, caso seja necessário, encomendai uma missa de sétimo dia para o vosso mais do que tudo.

 

Beijocas na terceira bochecha.

OS MEMES DO MIUT

por Pedro Caprichoso, em 25.04.19
Mais uma volta ao sol e mais uma edição do MIUT. Todos os anos, por altura da celebração da ressurreição de nosso senhor Anton Krupicka, uma catrafada de portugueses continentais têm a possibilidade de tirar férias, comprar um bilhete low cost, fazer a trouxa e embarcar rumo à ilha da Madeira com vista a atravessá-la a pé de uma ponta à outra. Até aqui tudo bem. O 'chato no pintelho' começa quando estes cagões sentem a necessidade de no-lo esfregar na cara. Mas há pior. Pior do que provocar dor de cotovelo nos outros por não estarem no paraíso do Trail Nacional? Sim, há pior. Pior do que isso é transformarem-se em memes—há muito que já ultrapassaram o estatuto de clichés—e assolarem o bem-estar mental das pessoas de bem. É que ao menos podiam ser originais, mas não são. Infelizmente, são sempre as mesmas fotos, nas mesmas posições e com as mesmas frases feitas a servir de legenda.
 

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1. Foto com o busto do CR7
 
Dada a quantidade de pessoas que já se encostaram a ele, o busto do CR7 é certamente responsável pela transmissão de mais doenças do que o menino jesus em dia de visita pascal. Quando estiverem a cagar de esguicho ao k46 do MIUT, não venham depois para as redes sociais com a desculpa de que foi da humidade ou da gastronomia madeirense. Não foi. O mais provável é que a caganeira tenha sido causada por um turista francês que esfregou os tomates no busto do CR7 para vingar a vitória de Portugal frente à França no último campeonato da europa de futebol.
 
 
2. Tic... tac... tic... tac
 
Que merda é esta do «tic... tac.. tic... tac...» com o avião da easyjet em pano de fundo? Anda tudo tolo? Mas vocês têm noção do perigo? Os atletas de Trail às vezes esquecem-se que nem todos fazem Trail e não conhecem estas expressões. Para as companhias de aviação, «tic... tac... tic... tac...» faz soar os alarmes de iminente ataque terrorista. Eu sei o que vocês querem dizer com «tic... tac.. tic... tac...» porque eu faço Trail, mas quem não faz não faz ideia. Dito isto, se algum piloto ou hospedeira(o) de bordo estiver a ler isto, fiquem descansados que não se trata de uma ameaça terrorista. O «tic... tac.. tic... tac...» é apenas a contagem decrescente que os atletas de Trail fazem até avistarem o homem da marreta e levarem com ela nos cornos, possivelmente quando começarem a cagar de esguicho ao k46 do MIUT graças a um turista francês que esfregou os tomates no busto do CR7 pela vitória de Portugal frente aos franceses no último campeonato da europa de futebol.
 
3. Material minuciosamente organizado em cima da cama
 
Este meme não é exclusivo do MIUT. Levar com a foto do dorsal, acessórios, bastões, alimentação e equipamento arrumado em cima da cama é um fenómeno transversal a todas as provas de Trail. A diferença está na poncha. Estão a ver aquelas imagens que as televisões passam sempre que a polícia efectua uma apreensão, com a droga, as armas, os telemóveis e o dinheiro dispostos em cima de uma mesa? É a mesma coisa. A diferença está na poncha fazendo as vezes de isotónico.
 
 
4. Onde meto os bastões?
 
Quer dizer, então vocês inscrevem-se numa prova com 1 ano de antecedência e só se lembram de como levar os bastões no dia da viagem? Façam-me o favor... Que tal meterem-nos por aquele 'orifício onde onde o sol não brilha' acima? Não sejam condescendentes connosco. Já basta estarmos com dor de cotovelo. Todos sabemos que isso não passa de mais uma variação codificada da mensagem "Eu vou ao MIUT e tu não vais, nhã, nhã, nhã, nhã, nhã...", semelhante ao que eu faço ao meu sobrinho de 5 anos quando deixo-o comer primeiro o gelado e depois mostro-lhe o meu e digo "Eu ainda tenho gelado e tu não tens, nhã, nhã, nhã, nhã, nhã..."
 
 
5. Vou ali fazer o MIUT e já venho
 
À semelhança do meme 3, esta expressão também não é exclusiva do MIUT. É basicamente usada nas vésperas de provas que impliquem viajar de avião. Assim como o meme 4, este também não passa de mais uma variação codificada da mensagem "Eu vou ao MIUT e tu não vais, nhã, nhã, nhã, nhã, nhã...". A única coisa que eu modificaria na expressão é o seguinte: "Vai lá fazer o MIUT, mas não voltes." Faz a prova, bebe umas ponchas, fornica uma madeirense, engravida-a e fica por lá. Prefiro mil vezes ouvir-te dizer "Vou ali fazer o GTSA e já venho".

Rescaldo Paleozóico 2019

por Pedro Caprichoso, em 25.03.19

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Há muito que desconfiava que a comunidade do Trail Nacional fosse um sumidouro de tarados. Todos sabemos, por experiência própria, que o Trail é um desporto propício ao badalhoquedo: calções de lycra justinhos, rabos empinados, decotes convidativos, o ar da serra e a libertação de dopamina (associada ao exercício) são o combustível que faz acender o fogo da paixão. Ainda está por se fazer o estudo de quantas crianças foram concebidas no âmbito do Trail Running e o impacto que a modalidade está a ter ao nível da taxa de natalidade em Portugal. São estas as temáticas sobre as quais a ATRP se devia debruçar. Em vez disso andamos a brincar às Selecções e aos Campeonatos do Mundo. A presença no monte de gente tarada, carregando 500€ de material ao lombo, é, portanto, um fenómeno contemporâneo que não surpreende ninguém. Há muitos atletas exibicionistas, mas nunca pensei que fossemos tantos. Certo é que Valongo rompeu pelas costuras com exibicionistas vindos dos 4 cantos do País, desesperados por serem observados pelo Seleccionador Nacional. Também eu sou exibicionista, também eu carrego 500€de material ao lombo e também eu alinhei à partida dos 48k do Trail do Paleózoico. Acontece que 22 exibicionistas exibiram-se a melhor nível do que eu, pois eu não logrei a convocatória para representar Portugal no próximo Campeonato do Mundo de Trail. Admito: fiquei triste. Para compensar, fui imediatamente para o carro depois de cortar a linha de meta e brinquei com a pilinha durante o dobro do tempo habitual. Saí do carro 4 horas mais tarde e tomei um duche no parque de estacionamento, ali mesmo, recorrendo a um garrafão de 5L de água, na esperança de que o seleccionador me estivesse a observar.  Caso o tivesse feito, por certo que ele mandaria os Brunos (Coelho e Silva) à fava e dar-me-ia um wildsexymotherfucker-card. Infelizmente, àquela hora, só lá estavam 4 velhotes a jogar à sueca e um cigano a dar milho aos pombos.

 

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Créditos: Matias Novo

 

O atleta nacional com melhor pontuação ITRA não ficou indiferente aos olhinhos do Seleccionador Nacional e também esteve na luta por um lugar na Selecção Nacional. Emigrante na Suíça, César Costa apanhou um voo da easyjet à pala da ATRP e veio a Portugal correr o Paleozóico com sapatilhas de estrada. Parece que alguém se esqueceu de o informar que isto em Portugal é hardcore: em Portugal corre-se em pinhais e eucaliptais; vai-se com o focinho ao chão por corta-fogos acima; come-se poeira, calhaus, cascalho e ramos de eucaliptos ao pequeno-almoço; somos engolidos por valas da largura de pneus de tractores; e as sapatilhas só duram centena e meia de quilómetros. A marca não foi mal escolhida: a asics é reconhecida pela sua durabilidade; faria é mais sentido ter escolhido umas trabuco em vez do modelo com que a Rosa Mota ganhou os Jogos Olímpicos. Habituado aos trilhos helvéticos, o campeão luso deve ter pensado que em Valongo encontraria os trilhos limpos para caminheiros tão populares na terra do chocolate, queijo, canivetes multi-funções e banqueiros com códigos éticos duvidosos. Resultado: deu-se mal com o percurso e desistiu por volta dos 30k. É pena: com umas trabuco teria provavelmente vencido a prova e entrado no top10 do Campeonato do Mundo. Agora também já não vale a pena chorar sobre o leite derramado. Mais vale recolher o leite, adicionar-lhe um pouco de chocolate, cortar uma fatia de queijo com um canivete suíco e tomar um pequeno-almoço reforçado antes de ir ao banco pedir um empréstimo para comprar umas trabuco.

 

Depois do vírus do empeno e do vírus da hoka, foi agora a vez do vírus da caganeira atacar forte e feito. Tenho conhecimento de 5 indivíduos que passaram a prova toda de cócoras a arrear o calhau. "Calhau" é uma forma de dizer, pois parece que as fezes eram predominantemente projectadas na forma de esguicho. Lamento a imagética, mas limito-me a relatar o testemunho de terceiros. Eu, pessoalmente, com estes olhos que a terra há-de comer, vi "apenas" 2 conjuntos de nalgas que me queimaram as vistas. Era como o sol do meio-dia a bater num iceberg. São imagens que me vão assombrar para o resto da vida. Nesse momento perdi a capacidade de ingerir alimentos sólidos e lembro-me de ter pensado em desistir. Não fosse o apoio que me foi dado ao longo do percurso e não teria chegado ao fim. Obrigado a todos os que me apoiam, em especial ao Paulo Conde—o meu fã número 2. Vocês já estão carecas de saber que o meu companheiro moçambicano, Eusébio de seu nome, é o meu fã número 1.

 

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Sabem qual é o primeiro sinal de que um tipo está prestes a estourar? Fácil: se antes do meio da prova já está a olhar por cima do ombro com vista controlar os adversários, é certo e certinho que o homem da marreta lhe vai fazer uma visita não tarda nada. Não percebo a lógica de partir para uma prova de 50k com a mentalidade de controlar os adversários desde o tiro de partida. É algo que me ultrapassa. No primeiro km do LouzanTrail ouvi um tipo a avisar um colega para partir mais devagar, alertando-o para a "puta das expectativas". Ipsis verbis. Tem toda a razão. A nossa felicidade está directamente associada às nossas expectativas e não há forma de tirar partido da competição se as ditas não forem cumpridas. Partir para uma prova de Trail—nomeadamente uma Ultra—a pensar na classificação é um erro crasso. Devemos partir focados em nós próprios: sentindo o nosso corpo, controlando o esforço e abstraindo-nos da competição. Não metam a carroça à frente dos bois e esperem pelo desenrolar da prova para ganhar a expectativa de uma potencial boa classificação. No Paleozóico, por exemplo, há paletes de exemplos de gente que fez objectivamente uma boa prova, mas depois foram para as redes sociais mostrar-se descontentes com o seu desempenho. Como é evidente, o problema não está no desempenho. O problema são as expectativas criadas pré-tiro-de-partida. Se um tipo faz regularmente top10 em provas de aldeia e depois vai a uma prova bué concorrida—onde se joga, por exemplo, um lugar na selecção—é evidente que lhe vai ser difícil entrar no top10. Mas isso não quer dizer que o seu desempenho não tenha sido igualmente satisfatório. A avaliação da nossa performance não pode ter em conta a classificação, pois nós não controlamos o que os outros andam. Porventura, se no Paleozóico não estivesse estado metade da concorrência e o tipo em causa tivesse entrado no top10 com o mesmo tempo, talvez nesse caso tivesse ficado mais satisfeito com o seu desempenho—o que não tem lógica nenhuma, pois o seu desempenho foi exactamente o mesmo. Como diz o outro: cuidado com a puta das expectativas!

 

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No último km alguém lançou-nos uma papaia, em jeito de chacota, alertando-nos que a primeira mulher estava a morder-nos os calcanhares. Falo no plural pois fiz os últimos kms na companhia do Hugo Gonçalves. Vocês não sabem como aquela merda me afectou! Se a Mary me tivesse ultrapassado na linha de meta, é certo e certinho que a pila se me teria caído ao chão. A vencedora feminina acabou por cortar a meta 10min depois de mim, mas admito que comecei a ver a coisa mal parada com medo de perder o abono de família. Se dúvidas há, eu esclareço-as repetindo o que já aqui escrevi: a Mary Vieira e as demais atletas de nível nacional são, pound-for-pound, melhores atletas do que eu. E não pensem que digo isto só por dizer. Já tenho jurisprudência na matéria. Leiam e chorem por mais:

 

Não vamos cair no facilitismo do feminismo pacóvio e dizer que “As mulheres são melhores do que os homens”. Não são. Nem melhores, nem piores. São diferentes. A verdade, porém, é que o desporto em nada beneficia o sexo feminino. Em comparação com os homens, as mulheres são fisicamente mais fracas, exibem uma menor coordenação motora, correm menos riscos e tendem a ter mais problemas metabólicos.

 

O meu elogio a estas mulheres tem justamente a ver com os impedimentos atrás enumerados. São estes impedimentos que dão mérito ao seu esforço. Tal significa que uma mulher tem de se esforçar muito mais do que um homem para alcançar um resultado equivalente. As elas, portanto, tiro-lhes o chapéu.

 

A única vantagem do sexo feminino em relação ao masculino tem a ver com a sua reconhecida resiliência e tolerância à dor, daí que elas se aproximem deles à medida que a distância aumenta: quanto mais longe, mais hipótese elas têm de ganhar. Mas já viram? A sua única vantagem é o sofrimento. A sua força fá-las sofrer. Duras.

 

Homens, posto isto não se esqueçam do seguinte: sempre que numa prova forem ultrapassados por uma mulher, não pensem que ela é melhor do que vocês. Ela não é melhor do que vocês. Ela é MUITO melhor do que vocês.

 

Como diz uma amiga de uma amiga de uma prima minha: eu gostava é de vos ver parir pela pilinha!

 

Por falar em gente afeminada, bonito bonito era uma corrida entre os fotógrafos e os speakers do Trail Nacional. Foi uma ideia que me veio à cabeça enquanto afocinhava pelo elevador acima. Imaginei os fotógrafos de um lado, os speakers do outro, e os atletas de fora a bater palmas e a insultá-los. Duas equipas. Zero regras. Seria permitido tudo: porrada, chamar nomes e passar rasteiras. Acho que Valongo seria o palco ideal para semelhante espectáculo. Isso é que era lindo!

Rescaldo STUT 2019

por Pedro Caprichoso, em 21.02.19

Já não há pachorra. Se é duro, é porque é duro. Se é perigoso, é porque é perigoso. Se é rolante, é porque é rolante. Se não há marmelada sem glúten nos abastecimentos, é porque não há marmelada sem glúten nos abastecimentos. Não sou muito exigente: só peço um bocadinho de consistência. A verdade é que há gente que reclama por tudo e por nada—e não há nada a fazer em relação a isso. É deixá-los estrebuchar. Isto porque no fim da prova ouvi muitos iniciantes nestas andanças queixarem-se de que a prova era muito rolante. Não se falava de outra coisa. Muito rolante? Em Santo Tirso? Não me fodam! Não acredito. Sim, quer dizer, bem vistas as coisas têm toda a razão. É certo que o ponto mais alto de Santo Tirso só tem 600m de altitude, mas isso não é desculpa. A organização que se desenmerdasse e alugasse uma Serra com pelo menos 1.000m de altitude. Era o mínimo tendo em conta o valor da inscrição. Ouvi dizer que a Serra da Estrela estava disponível no passado fim-de-semana. Duas viagens de ida-e-volta com cinco camiões basculantes e punha-se a Serra da Estrela em Santo Tirso. Para além disso, não sei se já vos disse mas não havia marmelada sem glúten nos abastecimentos. Uma vergonha! Dito isto, não deixa de ser curioso verificar que os queixosos levaram todos com a marreta durante a prova, tendo sido apanhados pelos fotógrafos com aquele ar de quem está a encomendar a alma ao criador. Bufaram a bom bufar com os "míseros" 2.300D+ da prova e ainda queriam mais? Isto é que é gente de valor!

 

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[Créditos: Matias Novo]

 

Alguém me explica que caralho é que se passa com o nosso Sistema Nacional de Saúde? O Ministério da Saúde ultimamente só quer saber desta palhaçada da greve dos enfermeiros—e o resto do País que se lixe. Andam preocupados em decretar requisições civis e depois esquecem-se de decretar as situações de emergência que assolam a saúde física e mental da sociedade portuguesa. Em Novembro passado já havia sinais claros de que a situação estava feia—e ninguém mexeu uma palha. Os epidemiologistas da ATRP apontam Ferreira do Zêzere como epicentro do surto que tem arrasado a Comunidade do Trail Nacional. André Rodrigues—identificado pelos mesmos como paciente zero—venceu o Campeonato Nacional de Trail Ultra calçando umas Hoka e depois levou uma Ford Transit cheia de pares da marca francesa para o Desafio do Açor. Daí em diante, a virose tomou proporções de pandemia e muitos dos nossos companheiros de trilhos andam agora mais feios e mais pobres do que nunca—e todos se comportam como se nada fosse. Não é normal estourar metade do salário em 2 pares de tamancos de cores berrantes. Por amor do santíssimo: já ouvi falar de gente que anda por aí aos caídos a vender o cagueiro para comprar um par de Hokas. Cada um é para o que nasce e eu não tenho a ver com isso, mas acho mal. O que é que querem? Acho mal. Vender o rabinho por três tostões para comprar droga é de homem. Nada contra. Agora, para comprar sapatilhas? Ao ponto a que isto chegou. Já estão por tudo. Escrevam o que eu digo: qualquer dia ainda aceitam patrocínios com 5% de desconto em loja e fazem publicidade ao estabelecimento em troca.

 

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Vou agora falar-vos de gente. Há gente para tudo. Há gente que arrasta os filhos pela linha de meta contra a sua vontade. Há gente que não corre a ponta de um peido, mas faz questão de partir à frente em todas as provas. Há gente que parte à frente em todas as provas e depois queixa-se de que é atropelada durante a partida. Há gente que publica os seus resultados quando as coisas correm bem, mas esquece-se de publicar quando as coisas correm mal e desistem e/ou levam com a marreta nos cornos. O que vale é que há fotos para provar que eles foram à prova e assim podermos gozar com eles à força toda. E também há gente que em criança bateu com a cabeça na mesinha de cabeceira e agora vai para as provas dar saltos artísticos para a fotografia. Estes são os piores de todos. É gente que tinha o sonho de trabalhar no circo como trapezistas e acabaram por ir para as provas de Trail fazer palhaçadas. Para os novatos nestas andanças, convém porém esclarecer que no Trail não há nota artística. Só conta o tempo final para efeitos do resultado final. Mentira: também há a chamada nota artística do chico-espertismo, no que diz respeito a atalhos e boleias. Mas isso são outros quinhentos.

 

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[Créditos: Matias Novo e Fernado Ramos]

 

O STUT foi um fartote a nível de dobragens. Todos falam na técnica de subida e técnica de descida, mas ninguém fala na técnica mais importante de todas: a técnica de dobragem dos patos-bravos das provas mais curtas que entopem a progressão do pessoal mais rápido das provas mais longas. Já aqui falei sobre isto, mas nunca é demais repetir. Quero por isso compartilhar convosco a minha técnica de ultrapassagem de caminheiros, patos-bravos e atletas de fim-de-semana:

 

Se o caminheiro é homem, peço muito educadamente: “Pela esquerda. Só um jeitinho, por favor”. O caminheiro encosta-se à direita e eu ultrapasso-o nas calmas. Termino agradecendo: “Obrigado.”

 

Se for uma gaja boa, peço muito educadamente: “Pela esquerda. Só um jeitinho, por favor”. A gaja boa encosta-se à direita e eu vou contra ela, agarrando-me ao que estiver mais à mão. Termino desculpando-me: "Perdão.”

 

Se pela traseira não conseguirem distinguir se é homem ou mulher, aconselho-vos a fazerem um desvio pelo meio do mato. Ultrapassem-no o mais ao largo possível, não vá o «coisinho» achar-vos graça e fazer-vos marcação serrada até à meta.

 

Quanto aos queixosos que dizem assustar-se com a impaciência do pessoal mais rápido em ultrapassá-los, não quero saber. Nem quero ouvir. É-me igual ao litro. Tanto se me dá como se me deu. Sabem que mais? Estou-me cagando. Aliás, muita sorte têm eles que a maioria dos atletas semi-amadores da pseudo-elite nacional é bué cavalheira e avisa que a ultrapassagem está iminente. De outra forma seriam passados a ferro por meio de um chega-para-lá em jeito de encosto de ombro. O pessoal das provas mais curtas tem de meter na cabeça que tem obrigação de andar mais rápido do que o pessoal das provas mais longas. Se não andam, andassem. Que é como quem diz: estudassem.

Rescaldo LouzanTrail – Parte III: Veados, Mascotes, Batoteiros e Malabaristas

por Pedro Caprichoso, em 30.01.19

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[Créditos: Matias Novo - Fotografias]

 

O vencedor da última edição do MIUT deu de focinhos com um veado quando (ainda) liderava a prova—já que depois levou na boquinha dos portugueses—e gritou de susto como uma menina de 9 anos. Dizem as más línguas que também cagou-se todo, e que foi por isso que teve de trocar os calções pelas calças de lycra que trazia na mochila. O veado ainda se assustou mais, pois o letão é feio como um leitão—este trocadilho merece um nobel da literatura—e o bicho atirou-se ribanceira abaixo. O gajo parece um toxicodependente depois de levar com um bacalhau demolhado nas trombas, e o animal assustou-se. Como é evidente. Quando por lá passei, o bicho estava enrolado em silvas, debatendo-se para se libertar. O PAN que meta mão nisto. Sei que não é justo definirem-se critérios de admissão a nível estético, mas tenho a certeza que esta situação não aconteceria caso o animal se tivesse cruzado com o deslumbrante André Rodrigues (a.k.a. o Keanu Reeves de Arganil) ou uma daquelas atletas espanholas boazudas que vieram abrilhantar os Trilhos da Lousã. Uma vez que o veado era macho e estamos em época de acasalamento, acho que ele até ficaria contente por vê-las. Bem, acho que atingimos o ponto mais baixo deste blog... Depois de uma piada envolvendo bestialidade, acho melhor ficarmos por aqui.

 

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[Créditos: FotoJotaPê]

 
Para além do episódio de violência animal relatado atrás, o LouzanTrail ficou igualmente marcado por desenvergonhados momentos de batotice. Vejam bem se isto cabe na cabeça de alguém: atletas femininas que pedem para serem transportadas às cavalitas por atletas masculinos. É muito feio. Por um lado, há maneiras mais subtis de arranjar namorado. Por outro lado, se tinham medo de molhar os pés, mais valia terem ficado em casa a ver a repetição do programa da Cristina.
 
Quanto à minha prestação, não podia ter sido melhor. Venci o meu escalão com uma perna às costas e ainda tive tempo de transportar 5 gajas às cavalitas. Podia ter chegado à meia-dúzia, mas a sexta era muito gorda e abandonei-a à sua sorte. Fui o melhor no meu escalão e isso é o mais importante. Já vos disse que venci o meu escalão?
 
326.º Geral;
318.º Português;
259.º ATRP;
117.º Signo Balança;
27.º Atleta Sóbrio do EDV-Viana Trail;
1.º Escalão Bloggers que residem na localidade de Curral de Moinas; 
 
Falando um bocadinho menos a brincar, pois este é um assunto que assaz me aflige, tenho pena daqueles malabaristas que se contorcem todos para transformarem um mau num bom resultado. O resultado ficou abaixo das suas expectativas e inventam uma categoria especial feita à sua medida, com vista a fazerem peito e mostrarem que, bem vistas as coisas, até fizeram um grande resultado. Exemplos: (1) atletas SM que publicitam o seu resultado no escalão SM, como se não fosse a sua "obrigação" ficar à frente dos veteranos; (2) atletas de elite (e não só) que fazem uma prova com estrangeiros e depois publicam o seu lugar entre os portugueses, como se os estrangeiros tivessem poderes especiais contra os quais não conseguimos competir; (3) atletas que fazem provas do campeonato nacional e, não só filtram a sua classificação por escalão etário, como também aplicam um segundo filtro por associados da ATRP, como se os atletas não-associados da ATRP tivessem peçonha e não nos pudéssemos misturar com eles. 
 

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Por fim, para compensar o facto de ter desrespeitado a mascote da minha penúltima prova, levei a mascote do LouzanTrail a lanchar, comprei-lhe chocolates e fiz amor com ela no baloiço do Trevim. Daqui a 2 meses esperem novidades, pois esse período é o tempo de gestação de uma raposa. Vamos ter uma linda ninhada.

 

 

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[Créditos: Matias Novo - Fotografias]

Rescaldo LouzanTrail – Parte II: A Arte de Cortar a Linha de Meta

por Pedro Caprichoso, em 29.01.19

Há muitas formas de cortar uma meta: uns saltam por cima da fita estilo Zé Miller, outros dão cambalhotas estilo macaco Adriano, uns ajoelham-se com a bandeira de Portugal aos ombros, outros agarram e arrastam os filhos contra a sua vontade. O Ricardo Silva dá dez a zero a todos eles: o robocop agarra na meta com ambas as mãos, recolhe-a cuidadosamente e dá 2 beijinhos às meninas que a seguravam pela suas extremidades. É assim em todas as provas que vence—o que, pelas minhas contas, já vai em duzentos e setenta e cinco beijinhos. A única diferença é que, se forem homens, dá-lhes um bacalhau e pergunta-lhes "Onde estão as meninas que eu pedi?" Diz-se por aí à boca cheia que essa é, aliás, a única exigência que o atleta de Barcelos faz às organizações que o convidam. Uns exigem deslocações pagas, outros cachê, outros massagistas, outros serem entrevistados pelo Joca. O Ricardo só quer duas gajas a segurar a fita de meta. É pedir muito? Eu acho que não.

 

Ricardo Silva passeou classe na Lousã. Vamos às contas: quase 44k com 3200D+ em 4h30. Estamos a falar de um ritmo ligeiramente acima de 6min/k, o que implica fazer praticamente todas as subidas em ritmo de corrida. Bicho! Desconfio que ele só tenha caminhado na segunda metade da subida em corta-fogo ao Trevim e naqueles últimos 5 metros antes da meta, com vista a segurar na dita fita e amandar dois chochos às ditas meninas. Só é pena ele depois vir sempre armado em cagão para o facebook, vomitando banalidades, agradecendo aos mesmos de sempre e cagando mais hashtags do que um publicitário com diarreia. É uma pena. Devia ser mais humilde, este menino. Só lhe ficava bem. Depois queixa-se de que ninguém gosta dele. Seja como for, não se pode negar a classe. Ainda não tinha cortado a meta e já estava a pedir uma mini à Barbara Fernandes, que deixou a pizza do André a arrefecer na caixa para assistir à chegada do Ricardo. O que vale é que o André e o Ricardo ficaram super-amigos desde aquela vez em que cortaram a meta dos Abutres de mão dada. De outra forma, ia dar merda com toda a certeza. O Ricardo é que não teve a mesma sorte. Perguntem à Ana Miranda. Só sei que o rolo da massa entrou em acção.

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[Créditos: Bué de Fotos]

Rescaldo LouzanTrail – Parte I: O Percurso

por Pedro Caprichoso, em 29.01.19

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[Créditos: Matias Novo - Fotografias]

 

Sabem o que elas dizem de mim? Que sou curto e grosso. E é justamente nessa qualidade que venho aqui afirmar o seguinte: o LouzanTrail é a melhor prova de Trail que fiz até à data. Não posso opinar sobre os abastecimentos, pois carrego comigo a minha alimentação e é raro consumir a alimentação fornecida pela organizaçãoa não ser, é claro, que me apareça uma voluntária boazuda pela frente e estejamos a falar de fruta à moda do Porto. Também não tenho nada a apontar às marcações, dado que não me perdi uma única vez. A determinado momento tive efectivamente de abandonar o trilho devido ao encontro imediato com um veado, mas vamos deixar esse episódio para um próximo capítulo. Também não me posso queixar dos banhos: a água não estava muito quente, é certo, mas para compensar tomei banho com os irmãos Gouveia. Têm ambos pele de bebé. Reparei nisso enquanto lhes esfregava as costas. Como oportunidade de melhoria, quero apenas deixar registado que faz sentido haver balneários exclusivamente para crianças. Hoje em dia fala-se muito em pedofilia e as organizações deviam pensar nestas coisas. Também não dou grande importância ao kit de participante e aos prémios de finisher: vai tudo direitinho para os contentores da cruz vermelha. Resta-me, portanto, falar do que verdadeiramente interessa: o percurso.

 

E, meus amiguinhos!, quanto ao percurso, upa! upa!, não há outra forma de dizê-lo: o percurso dos 43k do LouzanTrail é, sem sombra de dúvida, o melhor percurso de Trail que fiz até à data. Sim, as nossas ilhas têm provas com melhor paisagem, nas quais um gajo vai a correr, desvia o olhar para o horizonte, queda-se boquiaberto, dá um biqueiro numa pedra e estatela-se ao comprido. Paisagem? Tudo bem, admito que há melhor. Agora, percurso? Desconheço. Nem em Portugal, nem no estrangeiro, nem em “casa do caralho mais velho”peço desculpa aos mais sensíveis, mas esta é uma bonita expressão da minha terra e eu gosto de perpectuar a cultura da minha terra. Se se sentirem ofendidos, peço imensa desculpa e solicito-vos humildemente para se deslocarem para a “casa do caralho mais velho”. Penso que já perceberam a lógica da coisa.

 

Estamos a falar de uma prova quase exclusivamente em single-track, aproveitando os trilhos existentes e não inventando só para fazer peito e ter mais umas centenas de metros de desnível positivo. Digo mais: para mim, se fosse possível substituir aquela última grande e interminável subida em corta-fogo por um single-track, seria "o" percurso perfeito. E atenção que eu não uso a palavra "perfeito" muitas vezes. Também gosto bastante do percurso dos Abutres, mas acho-o menos interessante do que o do LouzanTrail. Acho o do LouzanTrail mais coerente e homogéneo. Não sou muito dado a lirismos, mas o LouzanTrail entranha-se, mastiga-nos, cospe-nos... e ao mesmo tempo flui, embala-nos e deixa-nos brincar, pese embora tenha bem mais D+/Km do que os Abutres. Nota-se claramente que foi pensado como um todo, e não apenas como ligação entre os pontos x, y e z por onde se quer fazer passar a prova. Posto isto, afirmo-me oficialmente rendido ao LouzanTrail e tiro o meu chapéu ao Montanha Clube. Sois ainda mais fofinhos—como se tal coisa fosse possível—do que as gajas da ARSM.

A Mais Dura Prova de Walking da Minha Freguesia

por Pedro Caprichoso, em 29.11.18

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A organização do Pisão Extreme afirmou que a sua prova é «A mais dura prova de running da Europa." Para mim, na minha modesta porém sábia opinião, está quase tudo errado com esta afirmação. As organizações e os atletas vão atrás da febre da dureza, assumindo que quanto mais duro melhor, e depois dá nisto. São tantas as provas e é tanto o ruído gerado nas redes sociais, que as organizações sentem necessidade de produzir este tipo de sound-bites, com vista a promover as suas provas, sem que ninguém questione a sua validade. Mas é para isso que eu aqui estou; é para isto que vocês me pagam fortunas na forma de muito amor, muito carinho e muito cafuné. Vamos lá então esmiuçar o sound-bite:

 

Running?

Tendo em conta que a prova terá 65k e 6500D+, faz sentido questionar quanto "running" se vai fazer, exactamente, numa prova com 65k e 6500D+. Tratando-se de uma prova circular, podemos assumir que metade da distância é feita a subir e a outra metade a descer. Posto isto, há que ter a noção de que os 6.500D+ serão feitos em apenas 32,5km, o que dá uma média de 200mD+ por km, o que dá uma inclinação média de 20%. Veremos, portanto, o quanto se vai conseguir correr com 20% de inclinação. Sei que vai lá estar gente de valor, mas é seguro dizer que a esmagadora maioria dos participantes passarão muito mais tempo a fazer walking do que a fazer running.

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A mais dura?

Será mesmo a mais dura? Será que podemos dizer, definitivamente, que será a mais dura? Dureza é um critério subjectivo, mas neste caso parece que a única coisa que conta é o rácio D+/Km. Sim, se atendermos apenas a esse parâmetro, parece-me que será sem dúvida a mais dura a nível nacional. O meu argumento, porém, é que a dureza não tem apenas que ver com o desnível vencido por km percorrido. Há outros parâmetros a ter em conta, nomeadamente a tecnicidade, o clima, a simples duração da prova (que pode implicar, por exemplo, a privação do sono) e a perigosidade (que não tem necessariamente a ver com a tecnicidade).

 

Assim sendo, podemos afirmar definitivamente que o Pisão será mais técnico e mais perigoso do que, por exemplo, o UTSF–Ultra Trail Serra da Freita? Pode ser, não digo que não, mas certamente não terá aquelas míticas passagens de rio do UTSF, em que fazê-las sem dar meia-dúzia de tombos é considerado um milagre ao nível de sermos seleccionados para Zegama à primeira tentativa; já para não falar das vacas assassinas da Freita e da tendência que os foragidos à lei têm para escolherem a Freita como esconderijo, de que é exemplo o recente episódio com o Pedro Dias–o que aumenta bastante o nível de perigosidade do UTSF.

 

Por outro lado, no que toca ao clima, mantendo o exemplo do UTSF, será líquido afirmar que é mais dura uma prova com as características do Pisão (realizada em Dezembro com mau tempo) ou uma prova com as características do UTSF (realizada em finais de Junho no pico do calor)? Uns dirão a primeira, outros dirão a segunda. Percebo perfeitamente que há quem prefira vomitar-se todo, cagar-se todo e alucinar em resultado de insulações e desidratação do que correr o risco de ficar com as mãos congeladas e não conseguir utilizar o telemóvel para fazer lives no facebook. São gostos.

 

Por fim, mantendo novamente o exemplo do UTSF e fazendo fé nos dados fornecidos pela organização do Pisão, a diferença entre o UTSF e o Pisão parece ser o facto de que o UTSF terá mais 35k do que o Pisão, já que o desnível positivo será semelhante (6.500D+). A nível da duração da prova, comparando uma prova com 100k e 6.500D+ com uma prova com 65k e 6.500D+, parece-me seguro afirmar que o vencedor da prova do Pisão não fará mais tempo do que o vencedor da prova da Freita. Devido ao rácio D+/Km ser bastante superior no Pisão do que no UTSF, é evidente que o ritmo (tempo/Km) será mais lento no Pisão do que no UTSF, mas parece-me inteiramente improvável que o vencedor do Pisão precise de mais de 12h40 para completar os 65k da prova. Para isso acontecer, a inclinação das subidas do Pisão teriam de ser exponencialmente mais duras (i.e. mais inclinadas e desfavoráveis à progressão dos atletas) do que as subidas do UTSF de maneira a compensar os 35k a mais do UTSF em relação ao Pisão–e tal não me parece possível. Bom... a não ser que nas subidas coloquem elementos da organização, com bastões, a dar porrada nos atletas com vista a dificultar ainda mais a sua progressão; e nas descidas atirem azeite a ferver para as pernas dos atletas com vista a fazê-los cair. Quer dizer... com esta febre para se ser 'o mais duro de sempre do Universo', já não digo nada.

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[Imagem da prova Though Guy]

 

Da Europa?

O exemplo do UTSF não foi escolhido ao acaso. A Serra da Freita é encostada à Serra da Arada (onde se realiza o Pisão Extreme) e o percurso do UTSF passa pelo Concelho (São Pedro do Sul) a que pertence a Freguesia (Carvalhais) a que pertence a aldeia do Pisão. Se eu quisesse teria ido buscar o exemplo do Tor des Geants como sendo uma prova mais longa do que o Pisão; ou a Ronda del Cims como sendo uma prova mais desfavorável à progressão do que o Pisão; ou o Troféu Kima como sendo uma prova mais perigosa e técnica do que o Pisão; ou uma daquelas provas que se disputam em condições climatéricas extremas, de que é exemplo a "Though Guy", como sendo climaticamente mais desafiantes do que o Pisão. Mas não: o que eu quero é deixar claro que, possivelmente, o Pisão Extreme nem sequer é a prova mais dura do concelho de São Pedro de Sul. É discutível.

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Dito isto, o único slogan que a organização do Pisão Extreme poderia usar com toda a confiança é o seguinte: "A Mais Dura Prova de Walking da Minha Freguesia». Com isso não tenho qualquer problema.

 

[Nota final: quero deixar bem claro que não tenho absolutamente nada contra o Pisão Extreme. Sou natural de uma aldeia a cerca de 30k do Pisão e acho que a prova tem todas as condições para ser um sucesso–estou inclusive a considerar ir ver a prova, até porque tenho colegas de equipa a participar. A única coisa que me faz espécie é a forma como muitas organizações têm esta tendência quase incontrolável de emitirem sound-bites, com vista a promoverem as suas provas, sem que ninguém questione a sua validade. Não no meu turno!]

Rescaldo GTSA 2018

por Pedro Caprichoso, em 01.10.18
Como dizem as sábias gentes do Minho: «Bonito bonito são os colhões a bater no pito!». Não discordo, mas há coisas igualmente bonitas. Por exemplo: também é bonito ver um campo de futebol a ser tomado de assalto por um grupo de tolinhos da corrida no monte. O peso simbólico deste acontecimento é por demais evidente no país da bola ao pequeno-almoço, almoço e jantar. Por um dia a bola tem de se subjugar ao Trail e isso deixa-me com uma erecção tão dura quanto os novos bastões em carbono da Black Diamond. A tesão depressa murchou, porém, ao avistar o indivíduo mais feio do Trail Nacional: feio, peludo, moicano, trajando lycra justíssima—um numero abaixo do esteticamente aconselhado—e a fazer gincanas de bicicleta entre os carros e as tendas plantadas no pelado que serviu de estacionamento aos participantes na VIII edição do GTSA—Grande Trail Serra d'Arga. O Xandre Kupricka sabe de quem eu estou a falar.
 

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O GTSA teve o bom senso de adoptar os ensinamentos do TopMáquina e indicar material recomendado em vez de exigir material obrigatório. Em forma de reconhecimento, afirmei em sede imprópria que faria a prova nu com o dorsal preso pelos mamilos. Infelizmente não pude cumprir a promessa por duas ordens de razões: (1) o meu cão decidiu comer as molas da roupa com as quais pretendia atarraxar o dorsal aos mamilos; (2) levantou-se uma onda de protestos por parte dos principais candidatos à vitória. Diziam eles que tinham medo de tropeçar "nela". Eu disse que "a" enrolava à cintura. Mesmo assim não "a" aceitaram. É o país que temos.

 
Ia o sino da igreja de Dem na terceira badalada, a seis segundos do tiro de partida, quando fui ensanduichado por dois badochas trajando meias de compressão cor-de-rosa. Um apertou-me de um lado, o outro do outro e a pressão fez disparar o líquido (fanta maracujá) dos flasks contra o seio esquerdo de uma vítima incauta. Antes de estalarem os dedos com vista a denunciarem-me às autoridades competentes, importa esclarecer que a vítima era do sexo masculino. O alvo foram as "mamas de homem" de um terceiro badocha, daqueles que gostam de partir à frente do pelotão só para aparecerem na foto e 2K depois estão na ambulância dos bombeiros a levar oxigénio.
 

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A principal vantagem da equipa Dr. Merino / Nutrifit é a de ter um Dr. Merino. Não é qualquer atleta que tem a possibilidade de receber tratamento durante a prova, mas a equipa Dr. Merino / Nutrifit tem um Dr. Merino e isso faz toda a diferença para os atletas da equipa Dr. Merino / Nutrifit. Vi o Dr. Merino a espetar agulhas na coxa esquerda do Xerife aos 33k e a verdade é que o agente da autoridade ressuscitou dos mortos... e ainda foi a tempo de ultrapassar este morto-vivo nos últimos 5k da prova. Nada contra. Só acho mal o Dr. Merino dar apoio médico aos atletas da sua equipa e não dar aos atletas das outras equipas. Pensava que os profissionais de saúde tinham de fazer o juramento de Sócrates e cuidar de todos os necessitados. Peço desculpa: não é Sócrates; é Hipócrates. Troquei os gregos. O juramento de Sócrates é outra coisa: «juro sustentar todos os membros da minha família roubando o erário publico, ex-mulheres e ex-namoradas incluídas.». Seja como for, o que é certo é que eu estava a desidratar e pedi ao Dr. Merino para me enfiar um supositório de magnésio pelo rabo acima. Recusou-se. Queria vê-lo recusar se fosse com a Tuxa. Uns são filhos e outros enteados. É uma vergonha, é o que é.

 
Caso não tenham reparado, em Arga estiveram os homólogos tugas do Kilian, Emelie e Seb Montaz. Pensava-se que eles tinham vindo correr, mas afinal vieram fazer um anúncio para a Salomon. Acontece que o Fumo fez fumo, venceu a prova e a Compresssssssport é que se ficou a rir. Com o calor que estava, só me admira ele não ter pego fogo. Pensando bem, na meta estava um cheiro esquisito: podia ser chulé, podia ser peido, mas também podia ser chamuscado.
 
 
 
Mas não foram apenas os fãs da Salomon que foram a Arga ao engano. Os fãs deste vosso xuxuzinho não tiveram melhor sorte. Pensava-se que o autor deste pardieiro tinha ido a Dem correr, mas afinal foi lá pagar uma promessa à nossa senhora de Fátima. Eis o Homem da Marreta a levar com a marreta nos últimos 5k do GTSA com banda sonora a condizer. Que ripada! O calor deitou-me abaixo, mas lá consegui recuperar os sentidos e, ainda assim, acabar mais vivo do que morto. Desconfio, porém, que não fui o único a fazer semelhantes figuras. Mil lambidelas à #cameraDOG Ritinha Edv pela reportagem e respectivo banho de humildade. Não levar vida tão a sério e deixarmo-nos cair no ridículo é a melhor das terapias. Experimentem.
 
 
 

Uma vez que sou solteiro, não tenho filhos e a única bandeira que tenho em casa é a bandeira do PCP, supliquei que alguém me emprestasse uma bandeira de portugal em bom estado, uma criança de 5 anos e uma gaja boa mesmo boa, pois pretendia faz algo nunca visto: juntar todos os clichés num só e acabar a prova com uma criança pela mão, a bandeira aos ombros e receber um linguado de uma gaja boa após cortar a meta. Dava preferência a crianças atléticas (pois podia estar a lutar pelo pódio) e a gajas de Ermesinde. Acho que me lixei por ser muito esquisito. Para a próxima aceito crianças obesas e gajas da ARSM. São todas feias!

O sofrimento é coisa que não me assiste

por Pedro Caprichoso, em 20.09.18

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Vejo resmas de pessoal das corridas—seria exagerado chamar-lhes atletas—a queixarem-se de que sofrem muito a treinar, sofrem muito a competir e sofrem muito pelo tempo roubado à família e vida social. A sério que nunca percebi essa cena do sofrimento. Lamento, mas o sofrimento é coisa que não me assiste. Vamos lá ver se consigo fazer-vos ver o meu ponto de vista recorrendo a uma coisa em desuso chamada lógica: 

 
1. Se competes é porque gostas, certo? Se sofres e não gostas, para quê competir? Nesse caso, mais vale não competir. Certo? 
 
2. Dizer que se abdica de isto e de aquilo dá a entender que alguém vos obriga a competir. No caso dos atletas profissionais ainda se percebe, pois o desporto é o seu sustento. Nos amadores, porém, não faz qualquer sentido. Ninguém obriga ninguém a fazer nada e vocês não devem nada a ninguém. Sofres a fazer desporto e estás a abdicar da tua vida pessoal? Fácil: faz menos desporto, sofre menos e passa mais tempo com a tua família e amigos. Acreditem: é tão simples quanto isso.
 
3. Acreditem se quiserem, mas eu só sofro quando levo com a marreta. De resto, recuso-me a sofrer. Uma coisa é o cansaço físico: estou disponível para lutar contra ele e ir até onde posso. A isso chama-se resiliência. Outra coisa é andar para aí com dores musculares, a treinar lesionado e a levar com a marreta dia sim dia sim, num estado de overtraining sem fim. A isso chama-se estupidez. E, perante a estupidez, desisto. Felizmente fui untado por nosso senhor jesus cristo e nunca tive uma unha negra, nunca treinei lesionado e tenho tido o discernimento de fugir a sete pés do homem da marreta, correndo de forma conservadora. Talvez por isso apenas desisti 4 vezes em prova—e fi-lo sem qualquer tipo de remorso. Sofrimento? Esqueçam lá isso. Isso é tão 1998.
 
Em suma: só faz sentido competir se o saldo for positivo no que toca à dualidade prazer / sofrimento. Caso contrário, desconfio que tenhas problemas mentais e sejas adepto de masoquismo.
 
Onde a porca torce o rabo é que muita gente não corre pelo simples prazer de correr. Para muitos, não é o acto de fazer desporto que os motiva. No fundo no fundo, bem espremidinho o limão, para muito boa gente conta mais o pós-prova—as crónicas, os gostos no facebook, a bajulação, a validação—do que a corrida em si. Quase parece que só correm para depois poderem publicar nas redes sociais e ser-lhes afagado o ego. Só assim se percebe a razão pela qual muita gente continua a fazer algo que dizem lhes causar tanto sofrimento. No caso, é porque o desporto não é o seu objectivo último. É outra coisa. E o desporto é apenas um meio de se obter essa outra coisa.

Fotógrafos, Speakers e o Bling Bling

por Pedro Caprichoso, em 13.07.18

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Queres ganhar a vida com o Trail? Queres? Tens a certeza? Não queres antes enveredar por uma carreira com mais futuro, tipo vendedor de cereja de beira de estrada? Pronto, ok, não insisto mais. Já percebi que leste o livro do Kilian e achas que vais ser o próximo embaixador da Salomon (e papar a Emelie). Nesse caso, no entanto, aviso-te já que não te adianta de nada treinar que nem um doido, ganhar provas de renome nacional e atingir os píncaros do ranking da ATRP. Raras são as provas que em Portugal atribuem prémios monetários, pelo que mais vale fazer uma vaquinha, tirar um curso de fotografia, comprar uma máquina fotográfica topo de gama e fotografar os atletas semi-amadores do Trail Nacional. Outra excelente alternativa passa por contratares um professor de canto, aprenderes a colocares a voz e passares a viver o Trail na qualidade de speaker. Quem são os gajos com mais bling bling no Trail? Pois é: os fotógrafos e os speakers.
 
Passe o sarcasmo, antes de mais importa sublinhar a marcador verde-fluorescente que eu não tenho nada contra os fotógrafos, speakers e demais envolvidos no Trail que lucram às suas custas. Acho muito bem. Se estivesse no lugar deles, faria o mesmo. Até porque os fotografos que eu conheço têm o ar (e o corpo) de me poderem partir as trombas; até porque um dos mais emblemáticos speakers do panorama nacional é meu vizinho e eu não quero sair de manhã para o trabalho e encontrar o meu carro com os pneus furados. 
 
Dito isto, já acho muito mal que não chova nada para o lado dos atletas. O mal não está no facto dos fotógrafos e speakers ganharem dinheiro. O mal está no facto dos atletas não ganharem nada. Digo mais: acho quase vergonhoso que uma organização pague a fotógrafos e speakers e não atribua prémios monetários aos atletas. Que raio quer isso dizer? Que os fotógrafos e os speakers são mais importantes que os melhores atletas da nossa praça? Não pensem muito que eu respondo de pronto: não são. As provas são para competir e não há nada mais importante dos que os expoentes máximos da modalidade. Entendo a lei do mercado e percebo que muitas das regras (tempos de corte, material obrigatório, etc.) têm de ser pensadas em função do atleta de pelotão, mas não me fodam! Nas provas, repito, nas provas o elemento mais importante são os atletas que vão às provas para competir.

 

Citando daqui um dos melhores comentadores desportivos que este país já viu, deixo-vos com esta reflexão: 

«Se vos perguntar qual é o elemento mais importante da Indústria do Trail, nove em cada dez dirão que são os Atletas. Se assim é, por que carga de água é que o elemento mais importante é o único que não vê a cor do dinheiro? As organizações fazem dinheiro, as empresas de cronometragem fazem dinheiro, as lojas de material desportivo fazem dinheiro, as lojas de suplementação fazem dinheiro, a comunicação social faz dinheiro, o comércio local faz dinheiro, os ginásios fazem dinheiro, etc. Só o Zé-Povinho—Atleta é que não faz dinheiro. Sim, todos os apoios são bem-vindos e já vão aparecendo alguns para os melhores atletas da nossa praça. No entanto, mesmo para os melhores atletas, os apoios ainda são insipientes. Limitam-se a material desportivo, fisioterapia e suplementação. Dinheiro, bagulho, massa, guita, pastel, grana, carcanhol… isso nem vê-lo.»

Os Mercenários do Trail

por Pedro Caprichoso, em 24.06.18

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Não vejo qualquer problema em apoiar uma loja de desporto num mês e apoiar outra loja de deporto no mês seguinte. Todos sabemos que o calçado não é igual em todas as lojas. Há lojas que tratam bem as sapatilhas e há lojas que tratam mal as sapatilhas: há lojas que deixam as sapatilhas expostas na montra ao sol no pico do verão; há lojas que armazenam as sapatilhas em locais que não respeitam as condições de temperatura e humidade definidas pela SPS—Sociedade Protectora das Sapatilhas; há lojas que poupam na naftalina e recolocam as sapatilhas nas caixas com o chulé dos clientes depois de estes as experimentarem. Por estas e por outras é que eu uma vez comprei umas salomão lab ultra speed racer 8 queimadas pelo sol, cheias de pintas de bolor e com o aroma de 3 tipos de chulés diferentes. Não tem jeito nenhum comprar umas sapatilhas novas e elas virem com uma mistela de cheiro cigano, chinês e moçambicano.

 

Também não aponto o dedo a quem promove marcas de alimentação saudável durante a semana e depois enfarda coca-cola, batatas-fritas e géis durante as provas como se não houvesse amanhã. As barras vegan são boas? São, mas “não puxam carroça”. Não puxam. As barras sem glúten são um mimo enquanto snack? São, mas empapam na boca ao k80 do UTSF e para descerem só com meio litro de Alvarinho. Fresquinho. A melancia hidrata e é docinha? É, claro que é, mas basta que o @veganpower56 aviste o homem da marreta ao k40 do GTSA para que do bolso prontamente saltem 2 géis com açúcar e cafeína suficiente para acordar um morto. Um morto.

 

Também não sou capaz de censurar quem glorifica uma marca de calçado num dia e glorifica outra marca de calçado no dia seguinte. As pessoas mudam de opinião como quem muda de roupa interior e devemos ser solidários com essa circunstância. A Aziques pode ser muito boa durante a semana como sapatilha de trabalho, mas ninguém bate a Salomão em termos de status no âmbito das provas e convívios de fim-de-semana e dias santos. A Adipas alia a engenharia alemã e a elegância francesa, mas quem pode condenar um atleta minorca por abandonar a marca das 3 listas, calçar umas Hókas Um-Um e sentir-se mais alto, mais belo e mais formoso? A A Desportiva é uma marca italiana com provas dadas, mas muitas foram as vítimas da moda que compraram umas Mike—daquelas que se vendem na SportZone—depois do Zé Miller ter vencido o MIUT.

 

De igual forma, também não levanto a voz contra os oportunistas que saltam de equipa em equipa pondo os seus interesses à frente dos interesses da equipa. É perfeitamente natural que. Que.

EDV-Viana Sky

por Pedro Caprichoso, em 11.06.18

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Segundo as nossas fontes, que andam enroladas na cama com a metade bonita da cantera da EDV-Viana Trail, a equipa de Viana do Castelo prepara-se para alterar o seu nome para EDV-Viana Sky. Confrontada com a revelação, Fernanda Verde não se descoseu e, de forma enigmática, afirmou que “Nem o sky é o limite”.

 

Ao contrário do que muitos poderão pensar, tal alteração não tem rigorosamente nada a ver com a jihad lançada pela equipa tetra-campeã nacional contra a ATRP—Associação de Trail do Rui Pinho no sentido de abandonar o Trail [do Rui Pinho] e passar a dedicar-se ao Sky Running da FCMP—Federação de Campismo e Mochilismo a Pé. Antes acontece que o presidente aurinegro conseguiu assegurar um dos maiores patrocinadores de sempre no universo do desporto nacional. Refiro-me, como já perceberam, ao conglomerado da comunicação social que dá pelo nome de Sky News.

 

Os valores do contrato ainda estão nos segredos dos Deuses, mas já sabemos que uma das cláusulas pressupõe, justamente, a altercação do nome da equipa. Dada a experiência da Sky no ciclismo, no qual as equipas sustentam o nome dos seus patrocinadores, tudo indica que a EDV-Viana Sky nascerá na tradição de equipas históricas como a Paredes—Rota dos Móveis, Sicasal—Acral, Recer—Boavista e Porta da Ravessa. Uma fonte anónima—a mesma que anda a comer o Jerôme Rodrigues ao fim-de-semana e dias santos—revelou que o contrato também prevê o fornecimento de 10.000 lotes por ano de remédio para a asma. Além disso, já andam por aí uns rumores de que o Chris Froome será o padrinho da próxima edição do Ultra Sky de Cerveira.

 

Falando um bocadinho mais a brincar, a nossa ética e integridade profissional obriga-nos a declarar que a redacção do TopMáquina está do lado da ATRP. Rejubilamos com o alargamento dos Circuitos Nacionais a mil, seiscentas e setenta e nove provas; rejubilamos com a atribuição dos títulos de Campeões Nacionais numa só prova; e brindamos ao facto de doravante se ter criado a figura do friend-card, perdão, wild-card. A primeira medida possibilita que todos os associados da ATRP tenham a possibilidade de ganhar pelo menos uma prova dos Circuitos Nacionais, uma vez que a tendência vai no sentido de haver tantas provas quanto associados. A segunda elimina a pior qualidade que um atleta da Selecção Nacional pode ter: a regularidade. Se a prova do Campeonato do Mundo é disputada numa só prova, que serventia tem a regularidade? A última é auto-explicativa.

Peta Zetas

por Pedro Caprichoso, em 28.03.18

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De Inverno, quando era puto e estava com a minha avó à lareira a lutar contra o frio da Serra da Freita, ela advertia-me para o seguinte: "Quem brinca com o fogo faz xixi na cama". Sempre. Mesmo que não estivesse a fazê-lo. A minha avó era dada à prevenção e jogava sempre pelo seguro, até porque era ela que lavava a minha roupa de cama. 

 
Na Construção Civil, quando era adolescente e trabalhava nas férias grandes com o meu tio com vista a ganhar uns trocos e depois estourá-los com os meus amigos em chupa-chupas e peta-zetas, ele advertia-me sempre para o seguinte: "Se olhares para o arco de soldadura, depois mijas na cama". Sempre. Mesmo que não estivesse a fazê-lo. O meu tio saía à minha avó e também ele jogava sempre pelo seguro, até porque eu vinha de boleia com ele e ele tinha medo que eu adormecesse na viagem e mijasse no banco do pendura.
 
A verdade é que ambos alertas revelaram-se-me completamente inúteis. Sempre brinquei com o fogo, sempre olhei para o arco de soldadura e nunca mijei na cama ou no banco do passageiro de um carro. Quer dizer... uma vez saíram-me umas pinguinhas na cama, mas isso foi porque eu estava a sonhar com um tipo que desfraldou a bandeira portuguesa na meta de um Ultra Trail realizado em Portugal e, literalmente, mijei-me a rir durante o sono—e isso não conta. Pensando bem, uma vez também urinei nas calças enquanto conduzia na Nacional 1, ali para os lados da Mealhada, mas isso foi porque vi um javali a sair do Restaurante do "O Rei dos Leitões" e, literalmente, mijei-me com o susto—e isso não conta. Estamos a falar de canibalismo. Quase. No fundo, um javali a comer um leitão é o equivalente a um humano a comer um macaco ou um militante do estado islâmico. Certo?
 
Dito isto, uma vez que a verborreia já vai longa e hoje ainda tenho de publicar a foto de um prato de comida saudável para fazer inveja aos pretinhos de África que nada têm para comer, finalizo por dizer que, ao longo da minha vida, só me têm dado conselhos inúteis. Quanto aos úteis, nem vê-los. Por exemplo, quem me dera a mim que a ATRP tivesse tido a decência de informar os seus associados de que: "Olhar para o rabo de uma atleta de saia promove a ejaculação precoce." É que já é a décima quinta vez que isso me acontece este ano. Só em provas.

Surto de Bipolaridade no Trail Nacional

por Pedro Caprichoso, em 22.07.17

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Vossas excelências estais mui equivocados se achais que um corredor de montanha padece somente de maleitas físicas. Com efeito, não há forma de fugir à recorrente entorse, à pontual fascite plantar e à não menos rara diarreia. No entanto, hoje em dia, graças à evolução exponencial da medicina desportiva, todos sabemos que os males do corpo são facilmente e expeditamente solucionados com meio rolo de kinesio tape. Eu, pela parte que me toca, sou fã incondicional de kinesio taping. Uso-a em todo o lado: nos tornozelos para curar as entorses, na planta do pé para curar a fascite e no rabo para estancar a diarreia. É só enfiá-la naquela abertura onde o sol não brilha e está resolvido o problema. Uma rolha faria o mesmo efeito, mas não era a mesma coisa.

 

Os males do corpo são, portanto, coisa do passado. O mesmo não se poderá dizer dos males da cabeça. A culpa, dizem os especialistas, é das redes sociais. Exemplo: muitos são os desportistas de fim-de-semana, alguns dos quais exibindo a ocasional "barriguinha da cerveja", que têm página de atleta no facebook. E tudo muito bem. Nada contra. Acontece que os cientistas chegaram à conclusão de que ter duas páginas no facebook (uma de atleta e outra pessoal) promove o aparecimento de sérios problemas do foro psicológico. Quando o Zé-Povinho-Pessoa partilha a publicação do seu alter-ego Zé-Povinho-Atleta, o que vos parece que lhe vai acontecer a médio-longo prazo? Sim, é isso mesmo: vai padecer de distúrbios de dupla personalidade. Num momento são pessoas; no outro são atletas. Num momento são atletas; no outro são pessoas. Não há cérebro que aguente. O desgraçado fica todo chamuscado e as consequências estão à vista de todos.

 

Ainda se lembram do que aconteceu no ano passado no UTAX e este ano no UTSF? Deixem-se estar que eu refresco-vos a memória. Ao K73 do UTAX foi encontrado um Motorista / Atleta sentado em cima de uma pedra, com os braços esticados rodando um volante imaginário e fazendo "vruuummm" com a boca. Ao K87 do UTSF foi avistado um GNR / Atleta apontando um pau em forma de pistola a uma vaca amarela da Serra da Freita. "Vou limpar o sebo ao Pedro Dias", disse o agente da autoridade quando foi interceptado, dois dias depois, pelos seus colegas, perto de Vilar Formoso. São estes casos que nos deviam fazer parar para pensar e, acima de tudo, meter a mão na consciência. Eu já fiz a minha parte.

Elogio ao Pai do Trail Nacional

por Pedro Caprichoso, em 01.07.17

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O vencedor do UTSF havia cortado a meta há coisa de meia-hora e estávamos todos, na meta, à espera dos nossos restantes colegas de equipa. Eis senão quando o Moutinho se aproxima do Ricardo e começa a dissertar sobre a menina dos seus olhos. O orador de pé, o destinatário do sermão sentado no chão e os demais meninos à volta da fogueira.

 

O Pai do Trail Nacional era todo ele um espectáculo: o gesticular extravagante dos braços como se fosse abraçar o mundo; o movimento de ancas de trás para a frente como se estiveste a fazer uma pega de touros; e o entusiasmo inebriante da sua voz, deixando escapar meia dúzia de gafanhotos.

 

Estava de tal forma hipnotizado por aquela figura que, sinceramente, não ouvi metade do que ele disse. Os meus sentidos entraram em overload e, embora os meus olhos e ouvidos conseguissem captar a informação, o cérebro por vezes não tinha capacidade para interpretá-la. Precisaria de mais 4GB de RAM para que o meu sistema operativo conseguisse correr o programa Moutinho 1.0.

 

Ainda assim, pese embora o Alzheimer momentâneo, lembro-me de 3 postas de pescada que me marcaram. O Moutinho que me perdoe a indiscrição. Parafraseando, foi qualquer coisa do género:

 

"Eu não sou ninguém. Vocês é que são os intérpretes do que eu faço."

 

"A prova está desenhada para que vocês cheguem mortos aos 30k."

 

"Não me interessa que o vencedor seja o mais forte fisicamente. Interessa-me que seja alguém que se conheça bem a si próprio e saiba gerir bem a prova."

 

Deixo os ensinamentos do mestre à vossa consideração. Não vos quero influenciar. Digo-vos apenas que, assim que o sermão terminou e o Moutinho se afastou, virámo-nos boquiabertos uns para os outros no sentido de confirmar que os outros testemunharam o mesmo que nós. Penso falar por todos ao afirmar que o sentimento geral pode ser expresso pela seguinte frase:

 

"Este maluco é apaixonado pelo Trail."

Mental Coach

por Pedro Caprichoso, em 30.12.16

Sabem do que é que o Trail Nacional está a precisar? De Gajas Boas, de Trail a Sério, de Doping do Bom, de um Circuito Nudista e, acima de tudo, de Mental Coaches.

 

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Os velhos do restelo continuam a acreditar que sem uma boa preparação física não se vai a lado nenhum; e que a resiliência mental vai-se adquirindo naturalmente ao longo do tempo, através da participação em provas cada vez mais desafiantes. Hoje, como bem sabemos, isso é tudo treta. O Zé e a Maria já perceberam que isto não vai lá com Treinadores, nem com PTs, nem com meros Coaches. Mais do que trabalhar o físico, o segredo está em trabalhar a mente. A mente manda no corpo. Basta acreditar. Levaste com a marreta ao k85 do UTSF? Basta acreditar. Deu-te caganeira ao k78 do UTAX? Basta acreditar. Fizeste uma entorse ao k4 do MIUT? Basta acreditar. Mas onde é que estão os profissionais que nos façam acreditar?

 

Por um lado, temos atletas desmotivados que querem muito acreditar que podem ser o Éder do Trail Nacional. Por outro, temos vedetas do Trail Nacional que passam a vida a partilhar frases inspiradoras nas redes sociais. Trata-se, portanto, de juntar a fome à vontade de comer. Com tantos empreendedores—não confundir com oportunistas—a orbitar o Trail Nacional, não percebo como é que ainda ninguém explorou este mercado. Anda por aí muita gente a dormir.

 

Não se admirem, pois, se nos próximos meses virem anunciados Cursos de Auto-Ajuda no âmbito do Trail. Imaginem: 30€ por uma conferência motivacional com o Gustavo Santos do Trail Nacional. Escrevam o que eu escrevo: os Gustavos Santos do Trail Nacional vão ficar milionários. Fica uma pergunta: onde é que um gajo se inscreve?

Corredor de Estrada Vs Corredor de Montanha

por Pedro Caprichoso, em 17.12.16

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“O Carlos Sá é muito bom, mas ele só fez 1h16 na Meia Maratona Sportzone”, disse-me aqui há uns anos um amigo atleta de estrada, cujo PR na Meia Maratona situa-se abaixo da 1h16. O Carlos tinha feito 4.º no UTMB e o meu amigo insinuou que seria capaz de fazer o mesmo se estivesse para aí virado e treinasse em montanha. Em nome do pai, do filho e do espírito santo! Santa ignorância. A pergunta que então se impõe é: Então por que não fazes? Mas não vale a pena ir por aí. Acreditem que não vale. O menosprezo de alguns atletas de estrada em relação aos atletas de montanha é frequente. Mas, se repararem, só é frequente naqueles que nunca fizeram uma prova de montanha.

 

Um: embora sem conhecimento de causa, parece-me evidente que o Carlos não fez a Meia Maratona Sportzone a fundo. E, treinando especificamente para uma Meia Maratona, acredito que a faria em menos de 1h10. [Dito isto, 1h10 não é nada de especial a nível internacional. Lembro que o recorde do mundo da Meia-Maratona situa-se abaixo de 59min.] Dois: o que as pessoas não percebem é que correr em estrada e correr em montanha são dois desportos diferentes. Costumo dizer que a diferença entre uma prova de estrada e uma prova de montanha é a mesma entre o ténis e o ténis de mesa: ambos jogam-se com raquetes (metendo uma perna à frente da outra), mas o terreno de jogo é completamente diferente (estrada vs trilhos; plano vs acidentado; alcatrão vs pedra).

 

Tais diferenças, de tão grandes que elas são, traduzem-se inclusive na fisionomia dos seus melhores atletas: já se perguntaram por que razão os melhores atletas de estrada são maioritariamente magros, leves e altos; e os de montanha são maioritariamente musculados, pesados e entroncados? Tem tudo a ver com as diferentes exigências associadas à estrada e à montanha. Na estrada tem tudo a ver com a relação peso / potência, pelo que o peso corporal é de vital importância, bem mais do que a potência. Como bem sabemos, a potência muscular e o VO2max são essencialmente determinados pela genética: não posso mudar a minha constituição física (altura, capacidade metabólica, etc.) e a melhoria que se pode obter a nível do VO2max através do treino não é muito significativa. Daí que o treino de um maratonista passa, sobretudo, por manter um peso corporal baixo exercitando o seu organismo no sentido de consumir calorias, na forma de gordura, da forma o mais eficiente possível. Não tenham dúvidas de uma coisa: os maratonistas de elite são geneticamente superdotados. Em montanha, pelo contrário, parece-me que a relação peso / potência está mais inclinada para o lado da potência, bastando para isso olhar para os nossos melhores atletas de Montanha / Trail / SkyRunning. Isto é, em montanha é bem mais importante ter aquilo a que popularmente se designa por uma boa “caixa” (capacidade cardiovascular) do que uma fisionomia mais leve e eficiente. Não é por acaso que há exemplos bem conhecidos de gente com bons resultados em provas de Trail com origem no BTT. Já em estrada a história é diferente, pois tenho conhecimento de ciclistas que não se dão tão bem em provas de estrada.

 

No entanto, para além da relação peso / potência, há mais dois factores a ter em conta na montanha, sobretudo no que diz respeito às provas de Endurance. Refiro-me à capacidade de resistência física e mental. A resistência mental tem a ver com cada um, sendo independentemente da fisionomia. Já em relação à resistência física, é preferível possuir uma maior massa muscular em provas de montanha, nomeadamente ao nível dos membros inferiores, devido à “porrada” infligida pelo terreno a nível muscular. Em suma, esta relação (resistência física / massa muscular) é tanto mais importante quanto mais longas, acidentadas e técnicas forem as provas.

 

A discussão com o meu amigo continuou animada até que ele se saiu com esta: “Se fizéssemos uma corrida de 85k entre o melhor atleta de estrada (i.e. recordista do mundo da Maratona) e o melhor corredor de montanha do mundo (i.e. Kilian Jornet), num percurso metade estrada e metade montanha, quem é que tu achas que ganharia?” “O atleta de estrada”, disse-lhe eu sem hesitar. É evidente que seria o atleta de estrada, pois a corrida de estrada é mais competitiva e está mais desenvolvida (em termos da metodologia do treino) do que a corrida em montanha. Isso é uma coisa. Outra coisa é dizer—como também já ouvi alguns espertos insinuarem—que pegariam num queniano qualquer, treiná-lo-iam durante 2 meses para participar no UTMB e que ele depois dava um bigode ao Kilian Jornet e amigos. Treta! Mais uma vez: a diferença entre uma prova de estrada e uma prova de montanha é a mesma entre o ténis e o ténis de mesa. Quem não perceber isto, não percebe nada.

 

Dito isto, no sentido de evitar o oposto (i.e. a desvalorização dos atletas de estrada), importa deixar bem claro que as performances alcançadas pelos atletas de Elite nas distâncias clássicas do Atletismo (5.000, 10.000 e Maratona) não têm paralelo no mundo da corrida. O melhor que se faz no mundo da corrida é aquilo que se vê nos Campeonatos do Mundo, Jogos Olímpicos e Maratonas Comerciais. Fazer menos de 13min aos 5.000, menos de 27min aos 10.000 e menos de 2h06 na Maratona é o pináculo da corrida de Fundo / Endurance. Sem espinhas.

Somos feitos para Correr

por Pedro Caprichoso, em 14.12.16

Há 3 mistérios relacionados com a corrida que ainda ninguém conseguiu explicar:

 

Primeiro:

O que faz do ser humano o animal terrestre com mais endurance à face da terra, conseguindo mais facilmente cobrir longas distâncias do que qualquer outro?

 

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Em termos de velocidade, o ser humano é um aselha: cães, esquilos, leões, cavalos, burros, esquilos, lobos, coiotes, elefantes, girafas, avestruzes, veados, linces, antílopes, cabras, gazelas, gnus, ursos, rinocerontes, javalis, gorilas, chitas… todos são mais rápidos do que o ser humano. A chita, o animal mais rápido à face da terra, consegue atingir a velocidade máxima de 120 km/h, enquanto o ser humano—aqui representado pelo recordista do mundo dos 100 metros Usain Bolt—fica-se pelos 44km/h.

 

Agora, meus amigos, no que toca a longas distâncias, ninguém nos bate. Peguem no Scott Jurek, num animal terrestre à vossa escolha, coloquem-nos lado a lado às portas do Mosteiro dos Jerónimos no pico do Verão, dêem o tiro de partida e depois vamos ver quem primeiro chega ao estádio do Dragão e nele dá uma volta de honra. Aposto o que quiserem que primeiro chega o Scott. Não porque o Homem é mais forte, não porque o Homem é mais rápido, não porque o Homem é mais inteligente, mas porque o Homem transpira mais.

 

Não há paralelo no reino animal. Não há outra espécie dotada com tão grande capacidade sudorífera, capaz de regular a temperatura corporal melhor do que qualquer outra. Imaginemos, por momentos, para efeitos comparativos, que o adversário do Scott Jurek é um cavalo. Acontece que o cavalo, embora mais rápido, teria de parar de tempos a tempos de maneira a diminuir a sua temperatura corporal, sendo que isto é apenas possível—tanto no cavalo como na maioria dos animais terrestres—por meio da respiração. E apenas através da respiração não é possível regular a temperatura corporal em movimento, pelo que o animal (qualquer outro animal) teria obrigatoriamente de parar sob pena de morrer por exaustão. Para que não restem dúvidas, resta-me dizer que esta experiência já foi levada a cabo e o Homem levou a melhor sobre o cavalo. No que às longas distâncias diz respeito, pode-se daqui portanto concluir que a rapidez dos outros animais não compensa o facto destes verem-se obrigados a parar com vista a regularem a sua temperatura corporal—pois quando param, param mesmo, e durante longos períodos de tempo, nomeadamente se a temperatura ambiente for elevada.

 

Segundo:

Como explicar o facto das mulheres se aproximarem dos homens em termos competitivos à medida que a distância aumenta?

 

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[Pam Reed – Vencedora Geral da Ultramaratona Badwater 2002]

 

Falando de velocidade pura e crua, a mulher é uma aselha em comparação com o homem: faça-se uma corrida entre os campeões olímpicos masculino e feminino dos 100 metros, e o macho, sem apelo nem agravo, dá uma banhada à mulher, deixando-a a quase 1,5s—o que, em termos de distância, corresponde a cerca de 15 metros.

 

No entanto, se estivermos a falar de uma Ultramaratona, nomeadamente daquelas para cima de 100 milhas (160 km), o caso muda radicalmente de figura: não é a regra, mas já houve mulheres que por mais de uma venceram provas deste calibre—e desconfio que só não ganham mais porque os seus níveis de participação neste e noutros tipos de eventos desportivos é consideravelmente inferior ao dos homens—sendo que regularmente as podemos encontrar no top10 das Ultramaratonas mais cotadas do mundo.

 

Terceiro:

Como explicar a gradual porém diminuta perda de performance que um atleta experimenta ao longo dos anos em provas de longa distância?

 

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 [Velho de 75 anos terminando a Ultramaratona Badwater]

 

Expliquemos através de um exemplo: em termos estatísticos, se uma pessoa—homem ou mulher—com 19 anos e sem passado de prática desportiva começasse hoje a treinar com vista a uma Maratona a realizar daqui a 4 meses, o mais provável é que o resultado que ele (ou ela) obteria seria o mesmo que ele (ou ela) conseguiria eventualmente obter com 67 anos de idade, à condição de que durante esse tempo (entre os 19 e os 67) tivesse regularmente continuado a treinar e a participar em Maratonas.

 

Estudos mostram que os atletas que começam a treinar para a Maratona por volta dos 19 anos atingem o seu pico de performance desportiva por volta dos 27, 28 anos, e que só cerca de 40 anos depois voltam ao ponto onde estavam aos 19 anos.

 

Pondo as coisas de uma forma mais simples: por que raio é que os velhos são tão bons em provas de longa distância?

 

XXX

 

Agora imaginem que há uma teoria recente que dá pelo nome de “A hipótese da corrida de endurance”, capaz de explicar os três mistérios acima brilhantemente expostos.

 

A “hipótese da corrida de endurance” sustenta que—e aqui vou citar a wikipedia—“antes da invenção da lança, a primeira arma de projéctil, há 200.000 anos atrás, os humanos antigos usariam a caça de persistência (também conhecida como caça por exaustão), em que, ao invés de tentar superar os animais pela velocidade, estes seriam perseguidos ao longo de grandes distâncias até entrarem em sobreaquecimento, sendo depois mortos por meio de um objecto pontiagudo. Assim, as adaptações que favoreçam a capacidade de correr longas distâncias teriam sido favorecidas nos seres humanos. Depois das armas de projéctil terem sido desenvolvidas – em tempos evolutivamente recentes – a importância da corrida de longa distância diminuiu, mas as características permaneceram."

 

A descrição da teoria explica, por si só, o primeiro dos mistérios. Quanto ao segundo e terceiro, estes decorrem simplesmente do facto de toda a comunidade ter obrigatoriamente de se deslocar atrás da caça, o que inclui os velhos e as mulheres.

 

Como é fácil de perceber, não faria qualquer sentido perseguir um veado até à exaustão durante 100 km e depois ter de voltar com o veado às costas para alimentar a família. Tivessem telemóvel e enviariam um sms com a localização do jantar, mas naquela altura apenas os homens caçavam e, como se sabe, os homens detestam mandar sms.

 

É sabido, por outro lado, que as mulheres com crianças lactantes são as que mais beneficiam das proteínas da carne, e que é perfeitamente natural pressupor que a experiência dos indivíduos mais velhos fosse indispensável durante a caça com vista a, por exemplo, escolher qual presa perseguir ou, segundo exemplo, indicar a direcção que a caça deve tomar através da leitura de pistas, como seja o caso de pegadas.

 

Aquilo que para mim, no entanto, melhor sustenta esta teoria são as características directamente associadas ao acto de correr (e não ao acto de caminhar) e que ainda hoje encontramos no corpo humano. Eis umas quantas:

 

(1) Ausência de pêlo e a abundância de glândulas sudoríferas como mecanismo de perda de calor;

(2) Dedos dos pés pequenos;

(3) Músculos dos glúteos enormes (que ajudam a manter o equilíbrio durante a corrida);

(4) A conhecida capacidade humana para a endurance em provas tais como as Ultramaratonas;

(5) A tendência para armazenar gordura corporal (que funciona como reserva energética aquando da realização de esforços prolongados);

(6) Pernas compridas e tendões que funcionam como molas;

(7) Intolerância por um estilo de vida sedentário, no que toca à obesidade, diabetes e outras doenças;

(8) Capacidade de respirar pela boca enquanto se corre.

 

 

 

Trail a Sério VS Trail a Brincar

por Pedro Caprichoso, em 12.12.16

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Vamos deixar-nos de merdas e dizer aquilo que todos pensamos mas não dizemos. Somos politicamente muito correctos em relação às várias variantes do Trail, dando a entender que todas têm o mesmo valor. A verdade é que todos sabemos que não têm. O Trail Curto (com pouco desnível e baixo grau de dificuldade técnica) não tem o mesmo valor do Trail Ultra e Trail Endurance (com muito desnível e elevado grau de dificuldade técnica). Todos sabemos o que é Trail a Sério. Trail a Sério é o Trail que menos semelhanças tem com o Atletismo de Estrada. Trail a Sério são os Abutres, o UTAX, a Freita, o MIUT, etc. Todos sabemo-lo tacitamente, mas ninguém tem colhões para dizê-lo. Por alguma razão é que as provas mencionadas são as mais conceituadas e apetecíveis do panorama nacional. Por que será que as inscrições destas provas esgotam num piscar de olhos? É simples: porque reconhecemos-lhes mais valor. Por alguma razão é que os melhores atletas nacionais optam por competir nos Campeonatos Nacionais de Trail Ultra e Trail Ultra Endurance. Por alguma razão é que o Campeonato do Mundo de Trail é disputado nas distâncias entre o Trail Ultra e o Trail Endurance.

 

O maior interesse dos atletas pelo Trail Ultra e Trail Endurance (com muito desnível e elevado grau de dificuldade técnica) não tem apenas a ver com o maior desafio fornecido por estas provas. Tem também (e sobretudo) a ver com o facto destas provas se demarcarem claramente do Atletismo de Estrada. O valor do Trail está nas diferenças que este apresenta em relação à Estrada. Pondo as coisas de outra forma: que valor tem um Trail se se assemelhar a uma prova de estrada disputada em estradões? Nenhum, direi eu. O valor do Trail está nas variáveis impostas pelo percurso (gestão da alimentação, técnica de descida, técnica de subida com e sem bastões, gestão do esforço, etc.) que o demarcam do Atletismo de Estrada. E quantas mais variáveis, melhor. Haver provas de Trail mais parecidas com provas de Estrada (do que com outras provas de Trail) traça claramente a linha de separa o Trail a Sério do Trail a Brincar. O Trail a Brincar também tem o seu lugar? Claro que sim. Mas não vejo que outra utilidade ele terá para além de funcionar como meio de introdução à modalidade.

 

Para alcançar bons resultados no Trail a Sério é preciso mais do que ter boas bases na estrada, o que valoriza o Trail enquanto modalidade. Na perspectiva do Trail a Brincar, o problema não está no facto de atletas de Estrada virem para o Trail na espectativa de alcançarem bons resultados graças ao (ainda) menor grau de competitividade do Trail em relação à Estrada. Isso é salutar: aumenta a competitividade, força os atletas a evoluir e o nível do Trail Nacional cresce por arrasto. O problema é estes atletas chegarem ao Trail a Brincar e começarem logo a vencer. Tal facilidade passa a ideia de que o Trail enquanto modalidade não é assim tão diferente do Atletismo de Estrada—o que é verdade no caso do Trail a Brincar—sendo que isso é a pior coisa que se pode dizer sobre o Trail para efeitos de promoção da modalidade. O melhor elogio que se pode fazer ao Trail é, justamente, pelo contrário, que é muito diferente da estrada. Por outras palavras, o sucesso do Trail está no seu afastamento—e não na sua aproximação—ao Atletismo de Estrada. Se estivesse à frente da ATRP, a primeira medida que tomaria seria criar essa distinção, inventando uma nomenclatura que separasse o Trail a Sério do Trail a Brincar. Aceitam-se sugestões.

A selecção da Selecção

por Pedro Caprichoso, em 07.12.16

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Notas prévias:


1.

Não sou fã de Selecções, nem no futebol nem no trail. O nacionalismo territorial diz-me pouco. Nunca comprei a ideia do dever de lealdade para com o meu país de nascimento pelo simples facto de nele ter nascido. Da mesma forma, não sinto o dever de apoiar um atleta só porque é meu compatriota. Para mim há coisas mais importantes, como a amizade. Fui ao Gerês apoiar os atletas da Selecção Nacional, não porque são Portugueses, mas porque alguns deles são meus amigos. Se tivesse amigos italianos, apoiá-los-ia de igual forma.

 

2.

Apoio a actual direcção da ATRP por uma questão de princípio. O princípio é este: os tipos que (ao contrário de mim) se chegam à frente e arregaçam as mangas (no sentido de tentar contribuir para a evolução do Trail Nacional) merecem o meu respeito e apoio. Têm o meu apoio até se provar que as suas medidas são efectivamente erradas, sendo ainda muito cedo para fazer tal avaliação.

 

XXX


Dito isto, apoiar alguém não significa estar sempre de acordo com ela. Acontece que neste caso discordo. Não me parece, definitivamente, que a medida de apurar (para futuros Campeonatos do Mundo) os 3 atletas melhor classificados (M/F) na edição imediatamente anterior seja o mais acertado, nomeadamente quando a única vantagem apresentada é a de "dar continuidade ao trabalho efectuado".

Com continuidade ou sem ela, parece-me que o mais importante é contar com os melhores atletas tendo em conta as características do percurso no qual se disputa o Campeonato do Mundo—e supor que 3 dos melhores são automaticamente os 3 primeiros do Campeonato do Mundo anterior não me parece ser lá muito coerente. Depende: podem ser como não ser, tendo nomeadamente em conta o crescente grau de competitividade do Trail Nacional.

Ter 3 atletas (M/F) que transitam de um ano para o outro pode ter efeitos benéficos ao nível do espírito de equipa: as pessoas já se conhecem e isso pode favorecer a união do grupo. No entanto, não vamos fingir que vivemos num mundo perfeito em que os interesses do colectivo se sobrepõem sempre aos interesses individuais. Tendo em conta esta medida, quem nos diz que alguns não vão dar prioridade ao Top3 nacional (com vista a participar no próximo Campeonato do Mundo) em detrimento de lutar por um boa classificação colectiva? Claro que os resultados colectivos estão dependentes dos resultados individuais. No entanto, dependendo das circunstâncias em que se desenrola uma corrida, todos sabemos que não é o mesmo correr com o objecto de dar tudo para ficar no top3 nacional (correndo o risco de estourar e eventualmente desistir) ou fazer uma prova com cabeça no sentido de ajudar a equipa. Imaginem o tipo que a meio da prova é o 4.º português. O que fará ele na segunda metade? Dará tudo para chegar ao 3.º (correndo o risco de estourar) ou continua a fazer uma prova inteligente no sentido de garantir que se encontra numa boa posição para compensar a eventual quebra de um dos seus colegas da frente? Já para não falar de que isto de andar a mudar os critérios não é justo para os atletas que definem a sua época com o objectivo último de representar Portugal. Ponham-se no lugar deles: se há mais espaço na Selecção, por que não ir buscar mais atletas segundo os critérios existentes em vez que inventar critérios novos?

Quanto ao mais, parece-me bem apurar os vencedores dos Campeonatos Nacionais (de forma a premiar a sua consistência) e os vencedores da Taça de Portugal [que funciona como prova qualificativa para aqueles que não têm tantas possibilidades (ex: pessoal das ilhas) de fazer um Campeonato inteiro]. No entanto, já não acho que faça sentido incluir mais provas qualificativas ao longo do ano. Uma chega. Mais valia “estender a mão” àqueles que não se revêm nos Campeonatos Nacionais (i.e. Nuno Silva) e que hoje competem mais no estrangeiro do que em Portugal. Não percebo por que razão é que as provas disputadas no estrangeiro não podem servir para efeitos de convocação para a Selecção. Nesse sentido, poder-se-ia igualmente apurar 1 atleta (M/F) tendo em conta a média da sua pontuação ITRA (ex: dos últimos 16 meses) referente à categoria (Ultra ou Endurance) do percurso do Campeonato do Mundo.

Posto isto, se eu mandasse, tendo em conta que serão convocados 14 atletas, seleccionaria o top3 (M/F) do Campeonato Nacional e o top3 (M/F) da Taça de Portugal referente à categoria (Ultra ou Endurance) do percurso do Campeonato do Mundo, mais o melhor atleta (M/F) da categoria em causa segundo a pontuação ITRA.

 

Ainda bem que não mando.

Sobre o vegetarianismo

por Pedro Caprichoso, em 30.11.16

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Estão a ouvir isto? Isto é o som do violino mais pequenino do mundo a tocar em honra dos animais que morrem com vista a alimentarem outros animais. Malandros dos leões que matam gnus para comer; malandros dos lobos que matam lebres para comer; malandros dos linces que matam ratos para comer; malandro do meu Tio Manuel que mata porcos para comer.

 

Nada contra os meus semelhantes que decidem retirar os animais da sua dieta por razões morais. Estão no seu direito. De certa forma, confesso que até os admiro. Agora, o que eu não aceito é que estes apontem o dedo a quem come chicha e peixinho. Olhem à vossa volta: a natureza não é moralmente correcta. Uma cria de gnu nasce e, passadas duas horas, está a ser devorada por uma matilha de hienas. É assim. Na natureza há carnívoros e omnívoros, cuja dieta evoluiu no sentido de consumirem outros animais. Habituem-se. Talvez a evolução se encarregue de nos tornar vegetarianos, mas forçar as coisas não faz sentido. Quantos mais exemplos são precisos para finalmente percebermos que ir contra a natureza só dá merda?

 

Em termos morais, aos olhos da natureza, o problema não está em matar animais com vista à alimentação. De outra forma, teríamos de proibir os leões de caçarem e obrigá-los a comer hortaliça. O problema está na forma como os animais que nos alimentam são explorados. A morte está longe de ser a pior coisa que acontece a um porco, vaca ou galinha que sai de uma exploração industrial com destino ao nosso prato. Querem um alvo? Lutem contra a indústria alimentar, que polui, esgota os recursos naturais (sobretudo água) e inflige sofrimento desnecessário aos animais em detrimento da maximização do lucro. Não lutem contra as pessoas que comem carne e que nela têm a sua única forma de acesso a proteína. Ser vegetariano é muito bonito, mas está longe de ser acessível ao bolso de qualquer um.

 

Dito isto, tenho de admitir que há um aspecto deveras hipócrita no que toca ao consumo de carne. Esse aspecto tem a ver com o facto de que, hoje em dia, já ninguém mata os animais que consome. A meu ver, só quem mata tem legitimidade para comer carne—pois é justamente isso que acontece na natureza. Isso de comer uma bifana é muito bonito, mas eu gostaria é de vos ver a enfiar a faca no porco e vê-lo a estrebuchar. Se as pessoas (sobretudo os mais novos) tivessem de matar para comer, aposto com vocês como mais de metade deixaria de comer carne num piscar de olhos. Muitos nem coragem para cozinhá-la têm. A morte dos animais está hoje limitada aos programas de televisão sobre a vida selvagem, sendo que anda por aí muita gente de hambúrguer na mão que nunca viu um animal a morrer à sua frente. Para além das questões relacionadas com a saúde, esta é a outra razão pela qual eu consumo quase exclusivamente carne de origem caseira (i.e. fornecida pelos meus pais). Não sou eu que “escochino o reco” ou decapito o pescoço das galinhas, mas ao menos dou uma ajuda. Ninguém segura o rabo do porco melhor do que eu.

 

Despachadas as questões morais, viremo-nos para a saúde. O problema em termos de saúde não está no consumo de carne e peixe per si. O problema está no tipo de carne e peixe que se consome. Comer boa carne e bom peixe de forma equilibrada e variada não representa qualquer problema para a saúde. Uma coisa é o consumo exagerado de carne—sobretudo vermelha—de origem industrial / processada, com a ingestão de todas as porcarias (vestígios de antibióticos, hormonas, conservantes, etc.) que isso acarreta e doenças que promove. Outra coisa é teres um porquinho e galinhas no quintal e dar-lhes apenas alimento de origem natural. A diferença é da noite para o dia. Como disse anteriormente, consumo quase exclusivamente carne de origem caseira e não me lembro da última vez que comprei carne em talhos e supermercados. Para mim, aquilo não é comida. É mais parecido com esferovite. Confesso que o peixe não me faz tanta espécie, mas a carne enoja-me. Entre comprar carne em talhos e deixar de comê-la, mais depressa opto pela segunda opção.

 

Em suma, percebo—e até respeito—a escolha de não comer carne e peixe. Aquilo que me custa a engolir é a militância da necessidade de esfregar na cara dos outros que se é vegetariano, censurando quem não o é. Se for no sentido de criticar a indústria alimentar, tudo bem. Força com isso. Agora, se for para apontar o dedo aos omnívoros, tudo mal. Acham que é errado em termos morais? Nesse caso, apontem igualmente o dedo à natureza e aos carnívoros que nela habitam. Acham que é errado em termos de saúde? Azar. Aquilo que fazemos com o nosso corpo tem a ver com a nossa liberdade pessoal e ninguém tem nada a ver com isso.

 

O leitor está por esta altura a perguntar-se por que carga d’água é que eu estou a falar de vegetarianismo neste pardieiro dedicado à corrida em contexto montanhoso. Bem, eu explico: porque verifico que a moda do atleta vegetariano começa a pegar no Trail Nacional. Só por isso. Passem bem. Quanto ao mais, diria que vai-se andando dentro das circunstâncias impostas pelas medidas de austeridade ao nível da influência da baba de camelo na indústria do arame farpado.

As 5 melhores frases de engate para levar a vossa mulher para a cama na véspera de um Ultra Trail

por Pedro Caprichoso, em 19.11.16

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1.

Bem, com esta primeira táctica de engate basta dizer "Amor, anda cá ver isto" e mostrar a foto do André Rodrigues acima publicada à vossa cara-metade que ela fica logo com os calores. É limpinho limpinho.

 

2.

"Bebé, o meu astrólogo diz que o sexo é a melhor forma de relaxar os músculos antes de uma prova."

 

3.

"Docinho, depois desta prova vou ficar 2 semanas sem me conseguir mexer, pelo que é melhor aproveitar hoje."

 

4.

"Fofinha, tens de "tratar" de mim. Caso contrário, amanhã vou fazer a prova com a tenda armada e vai ser uma vergonha."

 

5.

E, por fim, a melhor de todas: "Xuxu, o meu treinador diz que devemos ir para a prova o mais leve possível."

A Vacina Contra os Falsos Campeões

por Pedro Caprichoso, em 17.11.16

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O adepto médio de Trail tem dificuldade em olhar para as características de uma prova (nomeadamente km e D+) e avaliar se o tempo do vencedor é digno de um campeão. Na estrada é fácil: as provas são geralmente planas e ninguém fica impressionado, por exemplo, com um pódio numa Meia-Maratona acima de 1h10. Já no Trail é complicado fazer essa avaliação, pelo que poucos olham para o tempo final dos vencedores e estes são automaticamente encarados como “Campeões”, quando na verdade não passam de atletas mediados.

 

Posto isto, tenho uma boa notícia para te dar. Se tens dificuldade em identificar os verdadeiros campeões do Trail Nacional e estás farto da banalização dos falsos, apresento-te a vacina contra os últimos. Chama-se Índice de Performance ITRA. Como o próprio nome indica, trata-se de um índice (baseado em fórmulas matemáticas) que avalia a performance dos atletas tendo em conta o tempo e as características das provas. É atribuída uma pontuação por prova e o “valor” do atleta é determinado pela média ponderada das suas 5 melhores performances dos últimos 2 anos mais o ano corrente. Há pequenas falhas recorrentes relacionadas com atletas duplicados e avaliações duvidosas da dificuldade das provas, o que é compreensível tendo em conta a quantidade de dados. Os Trilhos dos Abutres são, por exemplo, claramente subvalorizados devido à sua dificuldade técnica. No entanto, no geral, trata-se de uma classificação bastante fiável. Basta analisar a lista dos melhores para ver que a coisa faz sentido. Por alguma razão temos o Kilian Jornet em 1.º lugar. Eis o seu índice ITRA.

 

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Para além da pontuação geral (independe da distância), temos ainda acesso às pontuações refentes ao Trail (< 42km), Trail Ultra Médio (42 km a 69 km), Trail Ultra Longo (70 km a 99 km) e Trail Ultra XLong (> 100 km). Assim sendo, já não há desculpas. Da próxima vez que te cruzares com um falso Campeão, atira-lhe a sua classificação ITRA às trombas e vais ver que ele mete logo o rabinho entre as pernas e começa a piar baixinho. Para início de conversa, basta dizer que andam por aí supostos “campeões” que nem no top100 nacional estão.

 

Resta dizer que para ter acesso a este índice é preciso ter uma conta na plataforma da ITRA. A conta e a pesquisa (por nome) dos índices dos atletas é gratuita. A pesquisa e obtenção da lista ordenada dos melhores atletas é paga (5€). Em jeito de exemplo, eis a lista dos atletas nacionais com mais de 700pts ITRA no Trail Ultra XLong (> 100 km):

 

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Rescaldo nos Bastidores do Campeonato do Mundo de Trail

por Pedro Caprichoso, em 04.11.16

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Começo por dirigir-me aos cagões. Falo dos tipos e tipas que, à boca cheia, andaram a espalhar nas redes sociais que participaram no TWC2016—Campeonato do Mundo de Trail. Não, não participaram. Apenas 12 portugueses participaram no TWC2016. O TWC2016 tinha 85k e 4.700 D+. Não tinha 55k e 3.000 D+. O TWC2016 partiu do Rio Caldo. Não partiu de Ambos-os-Rios. Os melhores do mundo não correram de babete. Vocês correram. Vocês não correram com os melhores do mundo. Vocês fizeram uma prova que não tinha nada a ver com o TWC2016. Tenham vergonha. Eu percebo: vocês têm amigos que não percebem a ponta de um corno de Trail e esperam que eles caiam na esparela. Poderá até haver quem acredite, mesmo, que vocês são “um dos melhores do mundo”. Todos temos um primo em segundo grau que não fecha bem a tampa e acredita em tudo o que lhe dizem. Eu também tenho um primo desses e, por vossa culpa, tive de explicar-lhe por que não participei no TWC2016. Eis a razão do meu asco. “Se até o Antunes—Ultra Runner participou, por que é que tu não participaste?” Acontece que isso comigo não pega. Não cola. Não tem tracção. Por falar em tracção, o que dizer das novas adipas boosta? As boosta agarram a tudo, inclusive a bosta de garrano. O novo campeão do mundo que o diga.

 

 

Passe a modéstia, a minha claque foi a melhor claque do TWC2016. Para além de fazermos mais barulho, estivemos no terreno desde as 5 da manhã e incentivámos todas as selecções graças à nossa soberba capacidade poliglota. Fizemos um curso intensivo de 3 meses em casa do Jorge Jesus de maneira a apoiar os atletas na sua língua materna e o resultado ficou à vista. Em espanhol gritávamos «Vamonos muchachos!», «Coño!», «Muchos Cojones!». Em francês bradávamos «Allez Allez!», «Courage Champignon!», «Puissance au Jambon!». Em italiano ululávamos «Coraggio!», «Andiamo Mafioso!», «Dá-lhe no Spaghetti!». Em japonês gaguejávamos «Arigato Sangoku!». Em alemão berrávamos «Scheiße!», «Flicken Merkel», «Himmeldonnerwetter Schäuble». Concorrência só da mota 1, que também lá esteve a cobrir o acontecimento. A vantagem da zundapp é que possui tracção motorizada e consegue acompanhar os atletas da frente durante mais tempo. Os elementos da minha claque, ao fim de 50 metros, já estavam com os bofes de fora.

 

 

Seguíamos em procissão entre o Gerês e a Serra Amarela quando a excursão ficou barrada à passagem de uma aldeia. Uma ambulância encontrava-se estacionada numa zona de tal forma apertada que inviabilizava a sua ultrapassagem. Soubemos mais tarde que estavam a socorrer um velhote. O coitado ficou com falta de ar quando assistia ao relato do Mundial de Trail pela TSF Runners. Desconhece-se, porém, se o piripaque teve a ver com a voz sexy da Barbara Baldaia ou com o facto do Tiago Aires estar na luta pelo top10. Felizmente que o Rui Pinho também seguia na caravana e lá conseguiu resolver o imbróglio. O idoso teimava que não entrava na ambulância—porque queria morrer em casa—e só mudou de ideias quando o patrão da ATRP prometeu que apresentar-lhe-ia a Emelie Forsberg. Eu acho que vai ser pior a emenda do que o soneto. Se ele fica com falta de ar com um relato, imaginem o que lhe vai acontecer quando ele vir a Sueca ao vivo e a cores. Eu teria um desfibrilador de prevenção, pelo sim pelo não.

 

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Aproveito a oportunidade para deixar uma advertência ao indivíduo ou indívidua que usou o meu corno à socapa: eu tenho herpes e hemorróidas, por isso aconselho-te a fazer análises. Quanto digo herpes, falo de herpes genital. Quanto digo hemorróidas, falo de prurido no olho do cu. Uso a extremidade afiada do instrumento para coçar o rabo quando estou em casa aborrecido e não tenho nada melhor para fazer. Desconfio que tenha sido uma mulher, já que nele encontrei vestígios suspeitos. Podia ter sido o Jérôme Rodrigues? Podia, mas ele estava em prova. Tinha ido aliviar a tripa atrás de um monte de carqueja quando regresso à bancada do estádio do Soajo e encontro o corno com marcas de batom. Alguém havia tocado no corno sem o meu consentimento e fiquei ‘pior que fodido’.

 

A meta montada nos Arcos de Valdevez parecia a passerelle de um desfile de moda. Os modelos exibiam as t-shirts de finisher das provas mais duras que haviam feito até à data. É para os estrangeiros verem quem é a maior potência do Trail Mundial. [Quando digo estrangeiros, refiro-me às estrangeiras. Mais precisamente às mulheres. Mais precisamente às francesas. As gaulesas eram ‘mais do que as mães’ e estavam em todo o lado, incentivando os seus compatriotas. Saquei 6 números e agora só preciso de descobrir o indicativo de França para lhes ligar. Só por curiosidade, como se chama um ménage a trois com 6 francesas? Ménage a six?] Fiquei a saber, por exemplo, que pelo menos 10 portugueses fizeram o UTMB, 6 a Ronda del Cims e 64 a Corrida do Pai. Apreciei em particular aqueles tipos que faziam questão de envergar o casaco de finisher dos Campeonatos Nacionais de Trail, ainda que debaixo de um calor insuportável. Valentes! Os estranjas acham-se muito bons, mas não sabem com quem se estão a meter. No caganço ninguém nos bate.

 

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Desconfio que os desfalecimentos que se verificaram na meta não são estranhos ao homem da marreta. Se dúvidas havia de que ele existe, ei-lo na foto abaixo publicada a malhar num atleta norte-americano. Acham que é por acaso que os americanos tiveram uma prestação tão fraquinha no TWC2016?

 

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Depois dos excelentes resultados obtidos pela Selecção Nacional, há que arregaçar as mangas e continuar rumo ao infinito. O caminho faz-se caminhando, o voo faz-se voando, o nado faz-se nadando, o pedal faz-se pedalando, a corrida faz-se correndo e o trilho faz-se trilhando. São enumeras as acções de melhoria a implementar no sentido de promover a evolução do nível do Trail Nacional. Eis sete: (1) obrigar as organizações a introduzirem prémios monetários nas provas do Campeonato Nacional; (2) promover a presença dos melhores atletas nacionais em provas internacionais para estes ganharem mais experiência; (3) garantir maior visibilidade da modalidade na comunicação social de forma a atrair mais patrocinadores; (4) começar a investir na formação de novos talentos; (5) comprar meia-dúzia de picos nos Alpes franceses e plantá-los no Alentejo; (6) naturalizar duas centenas de quenianos e ensiná-los a usar bastões; (7) patrocinar a mudança de sexo dos bons atletas masculinos que competem em provas de aldeia em detrimento dos Campeonatos Nacionais—se têm medo da competição enquanto homens, pode ser que o percam enquanto mulheres. Tudo isto é importante. Ainda assim, sem prejuízo das medidas atrás elencadas, o mais importante está presente na imagem abaixo publicada. Nalgas? Sim, é isso mesmo. Nalgas de mulher é o elemento mais importante de uma política desportiva responsável ao nível do Trail Running. Funciona assim: quantas mais nalgas, mais mulheres a exibi-las nos trilhos e mais homens a apreciá-las. É por estas e por outras que o CEO deste pardieiro pertence ao conselho consultivo da ATRP.

 

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Martim desperta o interesse da EDV-Viana Trail

por Pedro Caprichoso, em 27.10.16

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Depois de contratar o veterano Victor Cordeiro, a direcção da EDV-Viana Trail decidiu tomar o caminho oposto e apostar na juventude. Segundo a Polícia Judiciária, o pequeno Martim embrenhou-se no monte contiguo à casa dos avós, fez 2k com 100mD+ em 25h e o feito despertou o interesse da equipa vianense. Dada a vocação exibida pela criança para o Trail Running em tão tenra idade, um dirigente aurinegro deslocou-se imediatamente a Ourém, falou com os pais do catraio e acredita-se que o contrato já esteja a ser preparado pelos advogados do clube. Segundo uma fonte próxima da família, terão apenas de ser afinados alguns pormenores relativos à transferência do petiz no valor de 500 fraldas Dodot Sensitive T2. Uma vez divorciados e atribuída a guarda à mãe, os progenitores do Martim discordam sobre a percentagem do seu passe: o pai argumenta que é de 50 / 50; a mãe discorda e exige uma percentagem superior já que ficou com a sua guarda.

 

Em declarações ao JN Running, os dirigentes da EDV-Viana Trail acreditam que tal será resolvido o mais depressa possível de maneira a ainda poderem inscrever o pequeno em meia-dúzia de provas do Circuito UTWT—Ultra Trail Word Tour. Relembramos que as vagas para o MIUT já esgotaram, que a fase de pré-inscrição em Lavaredo já terminou e que a Transcrancanaria já vai na segunda fase de inscrições. O advogado aurinegro Paulo Vilaverde confirmou aos microfones da TSF Runners que o Martim vai assinar um contrato por objectivos quando este aprender a escrever o seu nome próprio. Auferirá 5 chupa-chupas sempre que entrar no Top10 em provas do Campeonato Nacional; receberá um bónus na forma de embalagens de Cerelac por cada vitória; e terá direito a uma box de DVDs d’O Bob—O Construtor se vencer o Campeonato Nacional de Trail Ultra Endurance na categoria M3.

A Hipocrisia da Crítica Gratuita

por Pedro Caprichoso, em 20.10.16

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O meu interesse não está em saber quem tem razão. As questões são mais complexas do que parecem, todos temos direito à nossa opinião e é sempre difícil—para não dizer impossível—agradar a Gregos e a Troianos. Temos, portanto, que saber viver com as opiniões dos outros. É a vida. Dito isto, o que verdadeiramente me interessa são as motivações e tácticas argumentativas usadas pelos intervenientes numa determinada discussão—e não é difícil decifrá-las. Basta ler nas entrelinhas. O lindo no meio disto tudo é que, não raras vezes, a forma como se argumenta diz mais sobre os intervenientes do que a substância do argumento em si mesmo. Daí que amiúde encontremos a hipocrisia de mão dada com a crítica gratuita. Vamos pegar no exemplo do anúncio dos Circuitos Nacionais para 2017.

 

Foram anunciados os Circuitos Nacionais para 2017, o céu fechou-se subitamente, a humidade relativa disparou, os animais recolheram aos seus abrigos, São Pedro abriu as comportas e uma chuvada de críticas antecipou o fim do Trail como o conhecemos. Não está em causa a validade das críticas. Com razão ou sem ela, o que está aqui em causa é a sua origem. Supor-se-ia que as críticas viessem das partes interessadas: dos responsáveis das Equipas, dos Organizadores cujas provas ficaram de fora dos Circuitos e, sobretudo, dos atletas que têm por hábito participar nos mesmos. Supor-se-ia que assim fosse, mas a realidade é outra. A verdade é que a generalidade das críticas tiveram origem no cérebro de atletas que raramente participam nos ditos Circuitos. Basta dar uma vista de olhos pelas redes sociais e perceber o nível de legitimidade desta gente. Quanto falo em «gente», falo em indivíduos que têm por hábito trocar a competitividade dos Circuitos por brilharetes em provas de aldeia.

 

As ameaças de abandono dos Circuitos chegam a ser ridículas quando vêm de gente que nunca neles participou de forma regular. Alguns admitem mesmo abandonar a modalidade. A ambos respondo o mesmo: já vão tarde. Pelos vistos, há gente que há 2 meses morria de amores pelo Trail e agora dizem adeus à modalidade. Uns vão dedicar-se ao IronMan; outros ao ciclismo de “fundo”; outros à musculação. A pergunta que fica é a seguinte: qual destas modalidades dá mais likes? Meus caros, eu falei com a modalidade e ela disse-me que não vos conhece de lado nenhum: “Não me apercebi que esses tipos me praticavam”, exclamou surpreendida a modalidade. No fundo, é mais do mesmo: é muita parra e pouca uva. Que é o mesmo que dizer: é muita garganta e pouca perna.

Rescaldo Dura Trail 2016

por Pedro Caprichoso, em 14.10.16

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Uns queixaram-se dos estradões, outros dos 6k a mais (59k) em relação ao anunciado (53k), outros da ausência de sandes de javali nos abastecimentos, outros do seu horóscopo, outros da humidade relativa, outros da conjuntura. Eu só me queixo de não me lembrar de desculpas tão boas para justificar os meus maus resultados. Esperem lá. Alto e pára o baile! Afinal tenho uma razão de queixa: queixo-me do facto da Organização do DUT—Dura Trail não ter tido os colhões necessários para desclassificar a equipa Satecnosol. Sim, colhões. Sim, desclassificar. Sim, Satecnosol. Passo a explicar: o Dura Trail contava com uma partida simbólica antes da qual era efectuado o controlo zero. Os atletas seguiam depois a ritmo “caminheiro” até um segundo pórtico localizado a 1,3k do primeiro, onde foi dada a partida oficial. Acontece que os atletas da Satecnosol estavam atrasados e não chegaram a tempo da partida simbólica. Estacionaram o carro e encaminharam-se directamente para o local da partida oficial. Ou seja, fizeram menos 1,3k do que os seus adversários.

 

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Eles pediram-me desculpa de joelhos, mas eu estou a marimbar-me para as desculpas. Dizem que não dormiram nada porque dois gatos andaram a noite toda à porrada à frente da Residencial onde a equipa ficou hospedada. Segundo eles, tal fê-los acordar tarde e chegar atrasados à partida. É mentira. Não eram gatos. A origem dos gemidos era outra. Fui ao local e li num cartaz que a Maria Leal havia nessa noite actuado no estabelecimento nocturno localizado nas traseiras da Residencial. A felina da Maria Leal é o bode, perdão, a cabra expiatória da primeira desculpa. A segunda é a “banheta”. Não sabem o que é uma banheta? Segundo o Bruno Coelho, “banheta” é uma punheta batida na banheira. Aparentemente, a banheta é uma técnica de aquecimento usada pela Satecnosol de maneira a começarem as provas mais “soltinhos”. Sei que não vou conseguir a sua desclassificação, mas não faz mal. Já me contento com a divulgação dos seus segredos. É assim que eu me vingo.

 

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O Mr. Olimpo está fortíssimo. Isto pode parecer publicidade gratuita às barras que patrocinam a EDV-Viana Trail, mas não é. Acreditem. Palavra de TopMáquina. Ele está mesmo fortíssimo. Não sei o que ele anda a meter nas barras, mas de certeza que as barras que ele come não são iguais às barras que ele vende. Mangustão? Cogumelo do tempo? Pau-de-cabinda? Calcitrin? Alguma coisa é. De outra forma não se percebe como é que eu, um atleta de tesão, só apanhei o Mr. Olimpo por volta do k25. Não confundir “tesão” com “eleição”. É certo que eu estava um bocadinho chamuscado do GTSA e o meu horóscopo apresentava-se desfavorável, mas nada justifica a ratada que ele me deu na primeira metade do DUT. O homem está a trepar melhor do que uma ninfomaníaca brasileira. Seja como for, foi coisa de pouca dura. Vi-o na peugada do Luís Malheiro (7.º no GTSA, 10.º nos Abutres, 9.º no Piodão) e pensei: deixa-o ir que ele vai levar com a marreta não tarda nada. Dito e feito. Foi um fogacho. Fogo-de-vista. Posto isto, a pergunta que se impõe é a seguinte: de que vale meter viagra nas barras se não se consegue satisfazer a ninfomaníaca brasileira? É uma questão que deixo à vossa consideração.

 

Vocês não são as únicas pessoas a acharem que eu sou um mestre na arte da estratégia de corrida. Eu acho o mesmo. Exemplo: na última contagem de montanha do dia, ali por volta do k40, tínhamos de subir e voltar a descer pelo mesmo trilho. Os atletas mais rápidos desciam e os mais lentos subiam, cruzando-se assim uns pelos outros. Tirando partido dessa situação, eu aproveitava para mentir aos adversários que seguiam na minha peugada de maneira a desmoralizá-los. Ao passar por eles, informava-os de que faltavam menos metros do que aqueles que faltavam na realidade. Se ainda faltassem 1.000m, dizia-lhes que só faltavam 500m. Se ainda faltassem 1.500m, dizia-lhe que só faltavam 600m. E assim sucessivamente. Tudo para desmoralizá-los. Aprendam que eu não Duro (Trail) para sempre.

 

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Aproveitámos a proximidade da meta ao rio Sado para molhar as pernas depois da prova. A água fria salgada faz milagres e o empeno quase que desapareceu por magia. Senti-me como novo. As pernas agradeceram o miminho, mas o nariz nem por isso. Tive o azar de me encostar aos elementos do Arrábida Trail Team e só via bolhas de ar a sair da água. Ar não: metano de javali. O que me valeu é que eu fumo e tinha um isqueiro no bolso dos calções. Houve quem achasse que a Secil—Outão estava a arder e chamou os bombeiros. A cimenteira não ardeu, mas os contentores estavam alagados e os soldados da paz podê-los-iam ter evacuado. Parece que houve quem cometeu o erro de almoçar antes de tomar banho. Meteram as pernas de molho no rio, almoçaram e só então tomaram banho. Digo isto porque nos chuveiros das casas-de-banho portáteis só se via (e cheirava) massada de peixe vomitada.

 

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Minutos antes de abandonar a fofinha cidade de Setúbal, tomei conhecimento de que a equipa Satecnosol e a equipa Dr.Merino/Nutrifit haviam combinado passar a noite na capital do rodízio-de-peixe de maneira a juntos comemorarem o pódio por equipas que ambas lograram no DUT. Os Sonasóis ficaram em 1.º e os Merinos em 3.º. Segundo testemunhas no local, a celebração incluiu música, jogatana (strip-poker) e churrasco regado com bebidas altamente alcoolizantes. Diga outra vez? Alccolizantes. Pouca-vergonha! É o que é. É vergonhoso que duas das melhores equipas do Trail Nacional se comportem desta maneira. Fazerem uma festa às escondidas e não convidarem os actuais Campeões em título é inqualificável. A ATRP tem de meter a mão nisto… e depressa. É este o exemplo que queremos dar aos nossos jovens? Sabe Deus o que o Romeu Gouveia fará com exemplos destes.

 

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10 Bujardas Rapidinhas

por Pedro Caprichoso, em 30.09.16

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Há 2 anos que não visitava o meu mural de Facebook. Não tenho paciência. Fi-lo agora para saber o que há de novo na vida dos meus amigos. Eis as conclusões a que cheguei:

 

#1

Pessoas que há 2 meses morriam de amores pelo Trail dizem agora adeus à modalidade. Uns vão dedicar-se ao IronMan; outros ao ciclismo de “fundo”; outros à musculação. A pergunta que fica é a seguinte: qual destas modalidades dá mais likes?

 

#2

Certas equipas auto-intitulam-se “a melhor equipa nacional” vencendo provas de segunda linha e evitando as provas dos Campeonatos Nacionais. Faz sentido. Somos todos os “melhores”. Basta acreditar com muita força. Estejam descansadinhos que alguém enfiará o carapuço.

 

#3

Parece que o “Caminho faz-se Caminhando”. Ufa! Ainda bem que se faz caminhando. É que eu pensava que se fazia auto-promovendo-se nas redes sociais—e eu não tenho lata para essas coisas.

 

#4

Existem indivíduos barrigudos com página de atleta. Que mau! Fiquem a saber que, segundo as regras internacionais, só há três desportos em que é permitido aos “atletas” terem barriga: golf, snooker e bilhar de bolso.

 

#5

Em meia hora de Facebook contei 567 atletas profissionais de Trail Running. Não são profissionais? Ai não? Então por que raio é que colocam o nome da sua equipa no campo “trabalho e formação” do seu perfil de Facebook. Não façam isso. É tão 2008. Que foleiro!

 

#6

As pessoas continuam a acreditar que publicar fotos de lesões acelera a recuperação. Infelizmente, isso não é necessariamente verdade. Isso só funciona se fores mulher e publicares as fotos em nu integral. Ora experimenta. Vais sentir-te logo melhor. Acredita em mim.

 

#7

As pessoas continuam a acreditar que dá sorte publicar fotos do seu dorsal antes de uma prova. Infelizmente, isso não é necessariamente verdade. Isso só funciona se fores mulher e publicares as fotos em nu integral com o dorsal a tapar-te a cara. Ora experimenta. Acredita em mim.

 

#8

Está ao rubro um concurso de fotografia de pratos de comida saudável. Não sei qual é o prémio, mas desconfio que o objectivo é fazer inveja aos Africanos que nada têm para comer.

 

#9

Dado o histerismo consumista do atleta tuga, desconfio que há gente que andou a melhor ritmo na fila do Freeport (para comprar sapatilhas ao preço da chuva) do que no passado fim-de-semana para concluir o GTSA—Grande Trail Serra D’Arga.

 

#10

Segundo pude constatar no GTSA, ser Português e desfraldar a bandeira Portuguesa ao terminar uma prova em território Português será a nova tendência para 2017. Desfraldá-la no estrangeiro já está muito batido. Desfraldá-la-emos em Portugal para que os espanhóis percebam que ainda somos nós que mandamos nisto.

Rescaldo GTSA 2016

por Pedro Caprichoso, em 29.09.16

 

 

A Serra D’Arga ardeu, mas os pirómanos não se ficaram a rir. O GTSA—Grande Trail Serra D’Arga  não se deixou intimidar e provou, novamente, que é a maior festa do Trail Nacional. Através de algumas modificações ao percurso dos últimos anos, a organização evitou as zonas mais queimadas (i.e. Pedra Alçada e Cerquido) e proporcionou aos repetentes a descoberta de novos trilhos. Do mal, o menos. Muitos comentaram que me acharam muito concentrado durante a prova. Bem pelo contrário. A minha mente não parou de divagar sobre a melhor forma de limpar o sebo aos incendiários que queimaram a Serra. Cheguei finalmente à conclusão, por volta do k48, que, se eu mandasse, eram todos enforcados pelos tomates. Não percebem? Eu explico: faz-se um laço com a extremidade de uma corda entre a tomateira e a cobra-zarolha do pirómano, aperta-se bem até os colhões ficarem azuis, passa-se a outra extremidade sobre o ramo de uma árvore queimada e iça-se o criminoso à força de braços. Depois é só esperar pelas aves de rapina. Depois faço-vos um desenho.

 

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Por falar em aves de rapina, quedar-nos-emos mais umas linhas no reino animal. Para além do Km Vertical, Kids Race, Sunset, Caminhada, Trail Curto—13k, Trail Curto—23k, Trail Longo—33k e GTSA—53k, a Organização do GTSA voltou a inovar este ano com a introdução de uma competição canídea. Desconhecedor de tal inovação, inicialmente assumi que a presença de cães nos trilhos seria o resultado de uma de duas situações: ou alguém levava uma sandes de presunto na mochila, ou alguma menina estava “naqueles dias”. Dizem que os rafeiros conseguem cheirar essas coisas. Pelos vistos, parece que os bichos estavam mesmo em competição. Tinham chip e tudo. Em cima temos o vencedor da primeira edição da Dogs Race—33k. Em baixo o vencedor da Dogs Race—53k. Os dois cruzaram-se na Montaria e ficaram 15min a cheirar o rabo um do outro.

 

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Num momento de rara fragilidade intelectual, cheguei ao terceiro abastecimento (21k), entreguei um softflask vazio a um tipo da organização e solicitei-lhe o seguinte com a minha reconhecida voz sexy: “Enche-me aqui!” Ele pareceu-me reticente, pelo que repeti o pedido: “Enche-me aqui!” Quando dei por isso, já ele me estava a puxar os calções para baixo. Ter-me-á fugido a boca para a verdade? Seja como for, ainda bem que lá estava o Tiago Fernandes da Desnível Positivo. Foi ele que impediu o meliante de me desflorar à frente dos milhares de adeptos que nesse local incentivavam os atletas. Pelo canto do olho, julgo ter visto uma criança a desmaiar e uma velha a sacar o iphone do avental para me tirar uma foto. Graças a nosso senhor jesus cristo que eu já estava composto quando ela disparou. Temos pena. Coincidência ou não, certo é que o meu rabinho assustou-se e respondeu ao trauma na forma de diarreia. Daí até à meta fiz dois desvios estratégicos para aliviar a tripa. Ambos de esguicho. Da segunda vez já não tinha papel higiénico e fiquei com as bochechas assadas. Após cortar a meta, o vencedor da Dogs Race—53k veio ter comigo, meteu o nariz onde não era chamado e confirmou a extensão da queimadura ao desmaiar com o cheiro.

 

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Embora tendo alcançado 4 pódios com uma equipa desfalcada de alguns dos seus melhores elementos, esta edição do GTSA vai ficar marcada pela negativa na história da EDV—Viana Trail. Os patrocinadores ficaram aborrecidos com a foto acima publicada e pedem a cabeça do Presidente da equipa aurinegra. Em resposta, este apressou-se a abrir um processo disciplinar à atleta em causa. O problema não está em correr em top. A nossa equipa é muito liberal em relação a esse tipo de coisas. Temos, aliás, o hábito de realizar um treino semanal em nu integral. Contactem o Jérôme Rodrigues para mais detalhes. O que deixou os patrocinadores à beira de um ataque de nervos não foi o top per si. Foi verem uma atleta da EDV—Viana Trail a correr com um top de linha branca, perdão, preta. Então os patrocinadores pagam milhões para exibirem os seus logotipos nas camisolas da EDV—Viana Trail e uma atleta tira a camisola para correr com um top não-homologado pela equipa? Mas isto tem algum jeito? Querem correr de top? Corram. Mas comprem-no na nossa loja oficial. Aqui. Eu já tenho o meu. Resta saber qual será a sanção aplicada à atleta. Desconfio que será obrigada a trajar de burkini até ao fim da época. Concordo com o burkini, embora a burka completa me pareça melhor. A segunda tem mais espaço para colocar patrocínios.

 

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Por falar em processos, o que dizer da queda aparatosa deste reputado atleta da EDV—Viana Trail? A Ester mandou o Paulo na direcção de uma armadilha e ele esbandalhou-se ao comprido. A atleta do Desnível Positivo pretendeu eliminar um atleta da equipa rival e conseguiu-o. Da queda resultou uma ferida profunda no orgulho do Paulo e os médicos do Hospital de Viana do Castelo prevêem 5 meses de recuperação psicológica até que este esteja mentalmente preparado para voltar à competição. Acontece que este não é um atleta qualquer. A vítima é um renomado advogado e já processou a Ester e o Carlos Sá com vista a ressarci-lo dos dados morais e sexuais provocados pela vergonha inerente ao trambolhão em público. Fala-se em 2 milhões de indeminização. É pouco. É muito pouco tendo em conta a indeminização pedida pelos pais do miúdo que fez falsa partida na Kids Race e levou uma estalada do speaker do GTSA. 5 milhões por uma chapada? Não gozem comigo. Mais desenvolvimentos sobre estas trapalhadas nas crónicas criminais das manhãs da televisão portuguesa.

 

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—XXX—

 

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 [Montagem de João “The Speaker” Joca (o mesmo que foi processado em 5 milhões por ter espetado uma estalada numa criança de 5 anos) e fotografias de Marco Barbosa]

 

Como se pode verificar pela montagem acima publicada, o André Rodrigues tem registado uma evolução espectacular no panorama do Trail Nacional. Não obstante, nem tudo no atleta de Arganil é fruto do treino. Sem desprimor para o seu esforço e dedicação à modalidade, fica bem reconhecer que muitas das suas principais valências já vêm de origem. A sua pelugem corporal não foi transplantada na clínica do Carlos Martins, as suas parecenças faciais com o Keanu Reeves não resultam de cirurgia plástica e a câmara que este esconde na boca não foi acoplada pós-parto. É tudo original.

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O conhecido apresentador da RTP Pedro Fernandes também participou no GTSA—53k. O seu objectivo era ganhar, mas os Cabo-Verdianos não deram hipótese à concorrência. Bem vistas as coisas, este desfecho era previsível tendo em conta que o Pedro apresenta o concurso The Big Picha e, como é do conhecimento geral, os africanos têm uma big(ger) picha. Por falar em genitália, o que dizer do Dinamarquês de kilt e sandálias tarahumara que animou a edição deste ano? Este homem é o paradoxo em pessoa. Tradicional da cintura para baixo e moderno da cintura para cima. Camisola técnica e óculos desportivos da cintura para cima e kilt e sandálias da cintura para baixo. Posto isto, a dúvida que persiste é a seguinte: será que ele anda com a tomateira ao léu ou, pelo contrário, não dispensa o conforto de umas cuecas Hugo Boss? Aceitam-se apostas.

 

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Ricardo Silva, Fernanda Verde e Jérôme Rodrigues foram apanhados pelos fotógrafos do GTSA. Quero por isso garantir ao Seleccionador Nacional que eles não violaram o período de restrição competitiva imposto pela sua participação no Campeonato do Mundo de Trail. Repito: eles não estavam em competição. Estavam a dar-me apoio. O primeiro tinha como função esconder o meu doping em pontos estratégicos do percurso. A segunda esperava-me nos abastecimentos para espetar-me agulhas nas orelhas. Estava com diarreia e, segundo a medicina tradicional tailandesa, as orelhas correspondem ao meridiano associado aos intestinos. O último apalpava-me as nalgas após as subidas mais duras do percurso. Obrigado a todos os que me apoiam. Sem vocês nada disto seria possível.

 

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#runningwithfriends

#nodopingnogain

#acupunturalover

#nalgasinshape

 

Por fim, deixo-vos com este momento No Comment:

 

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 [Português acaba prova portuguesa com uma bandeira de Portugal.]

O Rei das Ultras

por Pedro Caprichoso, em 22.09.16

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Sexta-feira. 5 horas e 55 minutos. AM. A noite permanece cerrada. Faltam 46 minutos e 37 segundos para o nascer-do-sol. O sono aperta e o telemóvel anuncia o SMS através do refrão de uma cantiga do Badocha. Badocha ou José Cid. Às vezes confundo os dois. O encontro é relembrado: estar à frente do Talho “Meirelles” às 7h em ponto com vista ao “treino à hora do ouriço-cacheiro”. A toca de um ouriço-cacheiro é mais asseada do que a casa de banho do Rei das Ultras. O lavatório acumula restos de pasta de dentes ressequida; fezes fossilizadas assemelham-se a pinturas rupestres nas paredes da sanita; e na banheira encontram-se dois pares de sapatilhas enlameados. É espalhado gel, é aplicado perfume, são enfiados os calções “de ir ao pito”, é efectuada uma selfie em tronco nu, é actualizado o estado no facebook e é repetidamente proferida a seguinte frase à frente do espelho:

 

 “Espelho meu, espelho meu, existe algum atleta mais cagão do que eu?”

 

Numa mão a colher dentro da tigela de leite com chocapic. Na simétrica o telemóvel sendo martelado por um polegar esquizofrénico. Em 7 minutos fizeram-se 127 gostos, postaram-se 21 comentários na forma de lols e publicaram-se 3 fotos de uma tijela com grânola e iogurte quark sob a legenda:

 

“O Pequeno-Almoço dos Campeões.”

 

Desconhece-se a origem das fotos. Mais 3 colheradas, mais 14 gostos e a tigela é arremessada para a pia. Sem espiga. A mãe do Rei das Ultras passa lá por casa ao fim da tarde e lava-a. O chocapic dá-lhe a volta à tripa e o Rei faz nova visita ao WC. Com o telemóvel numa mão é complicado baixar os calções e o aparelho acaba por cair na retrete na pressa de arrear o calhau. Não há razão para entrar em pânico. É à prova de água. Mas será à prova de cocó? Veremos. Sentado no trono, o Rei limpa o iphone à toalha de limpar a cara e testa-o enviando um SMS:

 

«tou a bazar d kasa lol há ferente d meirelles em 10min»

 

7 horas e 12 minutos. Está um briol do caralho à frente do Talho “Meirelles”, o Rei das Ultras bate o dente a bom bater e o José Badocha—por via das dúvidas—anuncia a chegada de um SMS:

 

«akuanta + 1 bokadito. lol Tamos kuaze a xegar. Lol»

 

Está menos frio do que parece. O Rei das Ultras passa frio porque quer. Impunha-se um corta-vento, mas este preferiu trajar de mangas cavas para exibir a sua nova tatuagem. Trata-se do logótipo do UTCM—Ultra Trail Curral de Moinas tatuado no seu bíceps esquerdo. Faz hoje uma semana que o nosso herói foi finisher de uma das provas mais competitivas do Circuito Regional de Trail de Curral de Moinas. Melhor do que finisher, alcançou um brilhante 16.º Lugar à Geral, 9.º no Escalão, 5.º Regional e 2.º ATRP. Os seus detractores atribuem o feito ao período restritivo aplicado pela ATRP aos atletas da Selecção Nacional de Trail, impedindo-os de competir até ao Campeonato do Mundo de Trail. “És um cagão. Se não fosse o Campeonato do Mundo de Trail, ias ver o que era bom para a tosse. Nem no top30 entravas”, lê-se num comentário em resposta à crónica do Rei das Ultras. As crónicas do Rei das Ultras são todas publicadas na sua página de atleta auto-intitulada: “Rei das Ultras—UltraRunner”.

 

7 horas e 29 minutos. O Rei das Ultras apanhou boleia de um renault 21 a cair de podre, os 4 amigos estão a chegar ao cimo da Serra e ainda ninguém elogiou a sua nova tatuagem. “Não sei o que se passa. Acho que dei um mau-jeito ao ombro. Que dores!”, queixa-se o monarca em jeito de pedido de atenção desesperado. “Olhem só: o nosso amigo «Carapau-de-Corrida» tem uma nova tatuagem toda catita”, exclama o passageiro que com ele divide a traseira da viatura. O Rei das Ultras também é conhecido por “Carapau-de-Corrida” entre o seu núcleo de amigos mais próximos. Há quem na alcunha veja uma conotação negativa, mas ele diz que não se importa. Diz que não se importa, mas não perde uma oportunidade de corrigir o seu interlocutor: “Preferia que me tratasses por «Rei das Ultras». Preciso de desenvolver a minha marca para atrair patrocinadores e o público já me conhece enquanto «Rei das Ultras».” O pai do Rei das Ultras tem uma casa de passe em Matosinhos e é conhecido pelo «Rei dos Pitos». Daí a inspiração.

 

7 horas e 57 minutos. Depois de andarem às voltas no topo da Serra durante 19min, os 4 compinchas encontram-se suficientemente suados para levarem a cabo o seu objectivo: tirarem uma selfie com 80 hectares de eucaliptos em pano de fundo. Lindo! São executados 27 disparos de maneira a seleccionar o melhor. O condutor da viatura, a.k.a. «O Empenado», fará a selecção das melhores selfies, aplicar-lhes-á um filtro espectacular e publicá-las-á na página de facebook do seu grupo de treino—o já aqui mencionado “treino à hora do ouriço-cacheiro”. Apesar de já ter lugar numa sucata, todos colocam toalhas a cobrir os bancos de maneira a não conspurcarem o renault 21 com o seu suor. O Empenado é maníaco das limpezas e os amigos sabem disso. Quem sujar o seu “bolinhas” pode dar-se mal e ninguém quer ficar mal na selfie.

 

8 horas e 27 minutos. O Rei das Ultras regressa à cama. Está de tal forma derreado quem nem banho tomou. Sem espiga. A mãe do Rei das Ultras passa lá por casa ao fim da tarde e troca-lhe os lençóis. Deixem-no dormir à vontade. Tem até às 18h para se apresentar no Centro de Emprego ou Junta de Freguesia da sua área de residência.

Tarântula

por Pedro Caprichoso, em 16.09.16

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A mão procura. Primeiro, nos bolsos da mochila. Depois, nos do casaco. Por fim, nos dos calções. Toda e qualquer entrada, cavidade, brecha ou fenda é mexida e remexida. Nem o diminuto compartimento dos calções (destinado ao transporte de chaves) escapa. Como uma serpente no covil de um pequeno roedor, o indicador infiltra-se sorrateiramente na furna de maneira a encurralar a presa. Debalde. Apesar de meia dúzia de tentativas desesperadas, por meio de múltiplos movimentos rotativos, a sondagem salda-se por um preservativo usado, quatro comprimidos de imodium rapid, duas moedas de 2 cêntimos e uma quantidade indeterminada de cotão.

 

A mão parece ter vida própria. Com um pouco de imaginação, pela forma como se movimenta, mais parece estarmos na presença de um aracnídeo. Quiçá uma tarântula. Os dedos—quais patas—locomovem a mão ao longo do tronco do atleta não identificado na sua inexorável demanda por uma entrada, cavidade, brecha ou fenda dentro do raio de alcance do respectivo braço.

 

Fábio Aru, legítimo proprietário da mão em causa, ignora as movimentações protagonizadas por esta. Os seus pensamentos encontram-se absortos no estudo do perfil do GTSA—Grande Trail Serra D’Arga. Estuda-o como se estivesse a ler as instruções do exame de gravidez que a namorada lhe mandou comprar.

 

A mão direita procura. A mão direita procura e não acha.

 

Fábio finalmente apercebe-se do descontrolo da sua mão ao ser confrontado com uma pergunta que o faz regressar à realidade: “Tens o track do GTSA?”

 

Dizem que o percurso este ano sofreu bastantes alterações.

 

Terra chama Fábio Aru. Terra chama Fábio Aru.

 

Fábio acorda estremunhado e julga-se possuído pelo génio de um pianista, tocador de flauta ou programador informático—tal a hiperactividade da sua mão direita. Inicialmente paralisado, Fábio toma rapidamente conta da ocorrência, permitindo à simétrica passar de simples testemunha a agente de autoridade. Deparando-se, naquela noite quente de Verão, com a incredulidade dos presentes na sede da EDV-Viana Trail, Fábio detém a mão direita com a mão esquerda e exclama em jeito de explicação:

 

“Deixei os cigarros de chocolate há 5 dias.”

O Primeiro Objectivo Da Época

por Pedro Caprichoso, em 15.09.16

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Só este ano já ganhei 8 medalhas de finisher em provas de Trail Running. Poderão brevemente apreciá-las no museu que estou actualmente a construir na cave de casa dos meus pais. Não vivo em casa dos meus pais porque não tenho recursos financeiros para ter habitação própria. Vivo em casa dos meus pais porque lá tenho cama, comida e roupa lavada. Não confundam as coisas. Não quero que os meus fãs pensem que eu não tenho onde cair morto. Eu tenho dinheiro. Gosto é muito dos cozinhados da minha mamã e da forma como ela passa a ferro os meus calções de compressão. O dinheiro estou a poupá-lo para ir fazendo o meu enxoval. Os meus patrocinadores pagam bem e já tenho 2 conjuntos de edredons, 6 pares de lençóis, 2 colchas e 6 naperons. Sonhei que vou conhecer a minha alma gémea numa prova em Barcelos. Chocarei contra ela numa curva mais apertada do UTAM—Ultra Trail Amigos da Montanha e será amor à primeira batida pela retaguarda.

 

Detesto gente presunçosa, mas adoro quando o presunçoso sou eu. Não posso com a bazófia dos outros, mas adoro a minha. A minha bazófia é muito boa. É a melhor. Passe a modéstia. Dito isto, tenho muito orgulho nas minhas 8 medalhas. Foram todas conquistadas, com muito suor e lágrimas, em provas dos Campeonatos Nacionais de Trail: 6 do Campeonato de Trail Ultra e 2 do Campeonato de Trail Ultra Endurance. Nenhuma em provas de aldeia. Não tenho nada contra as provas de aldeia. Só acho que o nível competitivo das provas de aldeia é insuficiente para fazer-me evoluir enquanto atleta semi-amador e ser-humano com sentimentos. Sim, eu conheço de trás-para-a-frente as “10 Dicas Para Seres Um Grande Atleta”. Sei que elevar o nosso estatuto de atleta passa por competir em provas de segunda linha. Nestas provas encontramos menos concorrência e a probabilidade de fazermos uma boa classificação aumenta exponencialmente. Sei que o ideal é participar nas primeiras edições de provas que se disputem no mesmo dia de provas consagradas. Sei isso tudo, mas ainda assim prefiro conquistar medalhas de elevado valor desportivo para posteriormente exibi-las no meu museu.

 

Este ano ainda não ganhei nenhuma prova. Podia tê-las vencido? Podia. Com as duas pernas às costas. Mas optei não fazê-lo. Passe a modéstia. Preferi fazê-las em preparação com vista ao meu primeiro objectivo do ano. Refiro-me, como já devem ter adivinhado, ao UTAM—a disputar no próximo dia 20 de Novembro. Objectivo: superar-me, ficar no Top69 e encontrar o amor da minha vida. Se as coisas correrem mal, não se admirem se o meu primeiro objectivo do ano passar a ser o 4.º Xmas Trail Run.

Coach Precisa-se

por Pedro Caprichoso, em 02.09.16

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Preciso de um Coach. Atenção! Não é um treinador. É um Coach. De treinadores estou eu farto. Treinador e Coach não são a mesma coisa. O Treinador treina a corrida. O Coach treina o running. Há uma linha que separa um Treinador de um Coach. É a linha que separa a vontade de correr e a vontade de fazer running.

 

Treinador é um ofício, em vias de extinção, que remonta ao século XIX. O último treinador português faleceu no passado mês de Julho. Chamava-se Moniz Pereira. Citando o Catedrático Professor de Linguística Abel Xavier, treinador é aquele que treina-a-dor. Treinador é, portanto, uma palavra que resulta de um processo de aglutinação. Dá-se a junção da palavra “treina” com a palavra “dor” e voilà o treinador. Por outro lado, o anglicismo “coach” não tem qualquer conotação com a dor. Bem pelo contrário. Coach deriva da palavra “couch”. Couch, para quem não domina a língua inglesa, quer dizer sofá. E sofá quer dizer conforto; quer dizer cochilar; quer dizer conchinha com a Maria; quer dizer sexo em doggy style. If you know what I mean.

 

 

Quero um Coach porque já tive um treinador e não gostei da sua abordagem. O tipo era doido: mandava-me correr. E eu de correr não gosto. Cansa. Embora cansado, segui as suas instruções à risca e fartei-me de correr durante 12 anos. Feito burro. E sabem o que eu ganhei com isso? Eu digo-vos: nada. Um redondo e anafado nada. Por outro lado, o meu vizinho do 5.º Esq arranjou um Coach aqui há coisa de um mês e já é patrocinado pela Compresssssssssssport. Quer dizer, não é bem patrocinado. Parece o dono da loja é amigo dele e faz-lhe um desconto de 5% para ele promover a marca. Nada mau. Bem bom. O que eu não daria para ter um arranjinho desses. Dava o cuzinho e 3 tostões num estalar de dedos.

 

Não quero um treinador que me mande correr. Não quero treinar a dor. A dor aleija. Antes quero um Coach que me valorize nas redes sociais. Quero terminar o UTCM—Ultra Trail de Curral de Moinas em septuagésimo oitavo do meu escalão e sentir que ganhei a prova. Quero sentir-me um verdadeiro campeão. Quero publicar treinos, identificar desafios, definir objectivos, traçar metas, ultrapassar limites, superar obstáculos, obter resultados, brincar com a pilinha e ter muitos likes no facebook. Quero sentir-me especial. Quero teclar banalidades até ficar com os dedos em carne viva. Basta acreditar. Somos todos campeões. Never quit. #loverunning.

 

Cuidado! Não se deixem enganar. Anda por aí muito Treinador a fazer-se passar por Coach. Treinadores com diplomas, cheios de conversa fiada. O meu dizia-me que um bom atleta só precisa de 3 coisas: treinar bem, descansar bem e comer bem. Balelas. Quantos patrocínios dá uma malga de sopa de legumes? Quantos padrinhos de provas de Trail fazem 100k por semana? Quantos administradores de páginas de atleta vão para a cama com o vitinho? Pois é. A verdade é que os Treinadores prometem resultados, mas depois nem 50 likes conseguimos com a medalha de finisher ao peito. Estou farto de Treinadores. Venham de lá esses Couchs.

Rescaldo UTRP 2016

por Pedro Caprichoso, em 15.08.16

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Tinha todos os motivos do mundo para não escrever esta crónica. Levei com a marreta no UTRP—Ultra Trilhos Rocha da Pena, desisti aos 40k e podia fazer o que faz o Zé-Povinho—Atleta quando as coisas correm mal: ficar calado e assobiar para o lado. O Zé só escreve quando as coisas correm bem—e eu, se fosse esperto, faria o mesmo. Era da maneira que não perdia os meus patrocinadores. Acontece que eu tenho cu—e, como diz o povo, quem tem cu tem medo. O meu medo chama-se Mary Vieira. Cruzei-me com ela, aos 40k, depois de levar a maior marretada da minha carreira desportiva—e ela fez-me prometer que eu faria referência ao facto na presente. Caso contrário, ela dava-me um enxerto de porrada de criar bicho. Repito: enxerto de porrada de criar bicho. E assim foi: ela ameaçou-me e eu venho aqui dar o corpo ao manifesto, a mão à palmatória e o rabinho ao clister. Juro que direi a verdade, toda a verdade e nada mais do que a verdade. Aos 29k disseram-me que ia a 1min do Javali Rui Pacheco e, com vista à classificação colectiva, decidi arriscar nos 10k seguintes com vista a apanhá-lo. Resultado: levei uma marretada tão grande, mas tão grande, que nem vos passa pela cabeça. Não passa pela vossa, mas passou pela minha. Desta vez não foi o Homem da Marreta que me atacou. Foi aquele herói da Marvel que anda sempre de marreta em riste, de cujo nome agora não me lembro e não tenho pachorra de googlar. É esse mesmo. Fiquei tonto com o calor, comecei a correr em sentido contrário, cruzei-me com a Mary e ela riu-se do meu estado quasi comatoso. Foi triste! Tenho rezado todos os dias a nossa senhora dos empenhados para que não haja registos fotográficos do meu abanico.

 

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Ainda a propósito do meu furo no UTRP, façam-me um favor: parem de partilhar frases inspiradoras estúpidas [ex: «Never Give Up», «Nothing is Impossible», «It does not matter how slow you go as long as you don’t stop.»] e partilhem a sabedoria de quem percebe da poda:

 

«Chegar ao limite é uma coisa. Ultrapassá-lo é outra.»

—Jorge Serrazina na revista "Running" #14.

 

A ti, que nunca desistes, tenho o seguinte a dizer: ultrapassem os vossos limites e eu prometo que vou à vossa missa de 7.º dia.

 

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Nunca tinha dormido em solo duro. Foi a primeira vez em 5 anos de Trail e posso dizer, com todo o amor e carinho, que foi uma experiência horrível. Há 3 verbos que me vêm à cabeça quando me recordo daquela noite fatídica: gritar, ressonar e peidar. Para supostos desportistas, andam por aí muitos praticantes de Trail com apneia do sono. Homens e mulheres. Aliás, para mim o ronco das mulheres é bem pior do que o ronco dos homens. É um ronco assobiado, por oposição ao ressonar melodioso dos homens. O ronco do meu companheiro moçambicano está ao nível de uma canção de embalar. [Já agora, aproveito para mandar um beijinho ao meu Eusébio.] Pontualmente, recortando o concerto de roncos, alguém acordava estremunhado de um pesadelo e gritava: “Marreta!”. Também acordei estremunhado inúmeras vezes. No meu caso, os pesadelos não foram o problema. Não os tive. A minha cruz foram as gajas que se tentaram enrolar com as vedetas da EDV-Viana Trail. De um lado tinha o Pedro Rodrigues e o Rui Seixo; do outro tinha o Jérôme Rodrigues e o Presidente Alcobia. Não preguei olho a noite toda e não podia ter ficado mais aborrecido, pois eles recusam a minha companhia sempre que me tento enrolar com eles. Quanto à flatulência, estava montada uma “Guerra de Traques” entre o lado sul do pavilhão (comandado pela vara do Arrábida Trail Team) e o lado norte (comandado pela EDV-Viana Trail). Em termos qualitativos (i.e. ruído), venceram os Javalis. Os Porcos-Bravos dispunham de colchões insufláveis e estes ampliavam o volume das bufas projectadas de barriga para cima. O Lino Luz chegou a furar o seu colchão em resultado de uma bufa mais violenta. Já em termos quantitativos, os nortenhos não deram hipótese. Resultado: 524 – 178. A esta distância dos acontecimentos, podemos considerar que os peidos foram o prenúncio do que aconteceu no dia seguinte. Em baixo publicamos um vídeo exclusivo do "Solo Duro" do Ultra Trilhos Rocha da Pena. Atenção: este vídeo contem imagens e sons que podem ferir a susceptibilidade dos telespectadores mais sensíveis.

 

 

Ao fechar a equipa da EDV-Viana Trail na 9.ª posição à geral, Tiago Teixeira (a.k.a. Todo-o-Terreno) protagonizou um dos momentos altos do UTRP, garantindo a vitória colectiva na prova algarvia e o Tri-Campeonato Nacional de Trail Ultra para as cores auri-negras. Este momento foi apenas suplantado pelo triplo sato mortal encarpado à retaguarda realizado pelo atleta abaixo identificado. A técnica apurada e a entrada sem splash valeu-lhe 9.5 numa escala de 10. Eis o momento da entrada na água:

 

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Para melhor relatar a proeza do TT, passo a palavra ao Jérôme Rodrigues—ele que se deslocou ao Algarve (e gramou 12h de autocarro) com o único propósito de dar apoio aos seus colegas de equipa. No seguimento da inacreditável prestação do Tiago, o Lince escreveu o seguinte no grupo secreto da EDV-Viana Trail no Facebook:

 

Comovido.

Hoje assisti a algo ímpar. Já estamos habituados aos sucessos do Ricardo e às boas prestações da equipa e dos seus atletas. Mesmo assim nada fazia prever este desfecho.

As provas rolantes não são de todo a praia dos auri-negros (à excepção da polivalência do Ricardo) e, por isso, todos foram afectados pelo cansaço e pela velocidade inicial da prova.

Aos 39 km, o abastecimento concentrou 4 atletas nossos com um atraso considerável sobre os líderes da prova. Aconselhei os nossos rapazes a abrandarem para não se comprometerem e terminarem a prova.

O TT não se convenceu e disse: ” Hoje vamos ganhar!” Confesso que o achei no delírio. Era impossível recuperar cerca de 10 minutos, nos 11km que faltavam, sobre os atletas que fechavam as equipas adversárias.

Resultado: o TT recupera de forma inexplicável e termina em 9 lugar, passando os atletas supramencionadas e dando a vitória à equipa. Se fechámos a equipa, devemo-lo ao nosso menino de ouro. O único que acreditou, quando os seus próprios amigos de equipa duvidaram!

Obrigado TT por conquistares o título por nós!

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O dia terminou em beleza. Num bonito convívio entre os atletas da EDV-Viana Trail e as atletas da equipa Dr. Merino / Nutrifit, estas queixaram-se dos homens da sua equipa. A queixa é sempre a mesma: eles não dividem tarefas e elas têm de fazer o trabalho todo. Eles furam; elas vão às provas todas e fartam-se de pontuar para a equipa. O nosso Presidente já me confidenciou que vai fazer uma OPA ao contingente feminino da Dr. Merino/Nutrifit.

As «fashion victims» do Trail Nacional

por Pedro Caprichoso, em 29.07.16

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Enquanto fashion victim, admito que tenho uma erecção sempre que o Zé-Povinho—Atleta adquire uma nova peça de equipamento desportivo e publica-a no facebook. As pessoas normais vêem pornografia; eu vejo o unboxing de sapatilhas. Não sei do que gosto mais: se comprar, se ver o que os outros compram. Não fico apenas satisfeito por saber que a crise é coisa do passado e que o Zé tem dinheiro para estoirar um ordenado em material. Do que eu gosto, mesmo, é de me rir com o mau-gosto de alguns atletas semi-amadores*. Há gente que precisa urgentemente de um consultor de moda. Estou disponível. Orçamento por mensagem privada. Por outro lado, há runners com extremo bom-gosto e que têm a inteligência de usar os trapos a seu favor. Exemplo: uma Maria-Povinha—Atleta pode exibir a beleza de uma hiena com leishmaniose, mas qual é o homem que lhe resiste se ela trajar de Salomon dos pés à cabeça? Pela parte que me toca, eu salto à cueca de qualquer barbie made in Salomon. Palavra de ninfomaníaco.

 

As bandoletes, as calças à boca-de-sino e os casacos com enchumaços são hoje olhados com desdém e universalmente rotulados como foleiros. Da mesma forma, é inevitável que desse triste fim não escapem alguns dos acessórios de Trail que hoje mais furor fazem nos trilhos nacionais. Se hoje são o último grito, amanhã serão motivo de riso. A única certeza no mundo da moda é que a moda passa de moda. Falou o especialista. Podem citar-me. Daqui a 20 anos, estaremos a olhar para a foto de um atleta com meias de compressão da mesma forma como hoje olhamos para uma foto dos nossos pais em finais dos anos 70. Mais acessórios de moda foleiros: viseira, manguitos, calções de basquetebol, calções de compressão compridos por baixo de calções curtos, saia de ténis, kinesio taping, calçado maximalista, telemóvel atarraxado ao ombro, GoPro atarraxada à cabeça e todo o tipo de acessórios com o vosso nome inscrito nos mesmos.

 

Para terminar em beleza esta primeira edição da rubrica de moda do TopMáquina, expliquem-me uma coisa: o que significa quando um atleta-de-pelotão agradece a uma loja de desporto? Obrigado a este, obrigado àquele, obrigado àqueloutro. Obrigado por quê? Será por ter sido bem atendido? Será por terem-lhe feito um desconto de 5%? Será por o dono da loja ser seu familiar? O paradoxo é este: fica subentendido que as lojas lhes deram de borla o equipamento por eles serem top máquinas, mas eu garanto-vos que isso não é verdade. Nem a oferta de material, nem a ilusão de que são top máquinas. Palavra de TopMáquina.

 

*Não confundir semi-amador com semi-profissional.

Rescaldo UTPCN 2016

por Pedro Caprichoso, em 28.07.16

Por duas ocasiões, em 17 anos de corridas, senti-me como um atleta a sério. A primeira foi há coisa de 2 anos. Estava a cuscar a página de facebook do Kilian quando, num desvario tresloucado, passou-me pela cabeça fazer uma página de atleta. Foram os 10 segundos mais bonitos da minha carreira desportiva. Graças a Deus-Nosso-Senhor-Jesus Cristo que tal não passou de uma quebra de tensão—e descartei a ideia assim que recuperei os sentidos. Nesse dia tinha-me cortado a depilar a tomateira. Deve ter sido por isso. Não gosto de ver sangue e alucinei.

 

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A segunda foi na passada sexta-feira. Ter boleia da organização de uma prova não é para qualquer um. A comitiva da EDV-Viana Trail aterrou no Funchal, com vista a disputar o UTPCN—Ultra Trail Porto da Cruz Natura, e tínhamos a Olívia Sousa à nossa espera. Não merecíamos tão ilustre motorista. Senti-me a melhor importação da Madeira. Sim, a frase anterior é uma referência ao anúncio protagonizado pela progenitora do Cristiano Ronaldo. Esqueci-me de referir que na limusine também seguia o Presidente do Conselho de Administração da ATRP. É para vocês verem quão simpáticos são os Madeirenses. Até ao Rui Pinho deram boleia. Não era eu que dava boleia àquele fala-barato. Que fosse de táxi. É para isso que serve a cota de associado.

 

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“Onde é que se bebe a melhor poncha da Madeira?”, perguntou o Pedro Rodrigues mal entrou na limusine. “Primeiro temos de caçar o nosso Jantar. Primeiro o Jantar, depois a Poncha”, retorquiu a Olívia. Depois de estabelecido quem mandava, levantámos os dorsais numa bomba de gasolina, fizemos o check-in no Hotel de 7 estrelas do Cristiano Ronaldo e rumámos a todo o gás com destino ao Pico Areeiro. Daí partimos a pé em direcção ao Pico Ruivo na companhia dos moços do Madeira Trail Tours, onde encetámos a tão aguardada caça à perdiz.

 

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O dia estava perfeito nos picos: céu limpo; um mar de nuvens de algodão, virado ao oceano atlântico, do nosso lado direito; e o Curral das Freiras, lá ao fundo, do nosso lado esquerdo. Como diz o Vitor de Sousa: “Os Alpes são bonitos, mas a Madeira é mais barata.” O meu colega de equipa Hugo Sousa acusou vertigens, mas ainda assim conseguiu apanhar uma perdiz. Senti-me mal ao vê-lo caçar uma cria. As crias de perdiz são pequeninas, não têm muito que comer e ele ia passar fome. Tive pena dele. Coitado. Muito ou pouco, certo é que a macarronada de perdiz estava divinal. «De trás da orelha», como se diz no Continente.

 

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Para além de duas perdizes gordas como cachalotes, o Pedro Rodrigues também apanhou um Pokémon no Pico Ruivo. É raro, chama-se Empenatchu, bebe 2 litros de poncha por dia e usa uma marreta como arma. Os participantes do MIUT sabem de quem eu estou a falar.

 

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Domingo. 06h00. Tiro de partida e primeira fuga do dia. Um velhote belga tentou isolar-se ao quilómetro zero, mas foi coisa de pouca dura. A EDV-Viana Trail organizou-se no pelotão e anulou rapidamente a fuga ao fim de 200 metros. Isto só comprova a minha teoria de que há 2 tipos de pessoas a evitar nas partidas: (1) os velhos que ainda pensam que são novos e (2) os atletas de ginásio artilhados com tecnologia-de-ponta dos dedos dos pés à ponta dos cabelos. Estas duas espécies de gente fazem de tudo para partir à frente dos outros. Será que acreditam, mesmo, que são os 10 segundos que ganham no arranque que fazem a diferença numa prova de 100k? Deve ser só mesmo para aparecerem na fotografia. É pena, pois os que partem à frente são justamente os mais feios—e as fotografias ficam estragadas.

 

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 [Penha D’Águia]

 

Anulada a fuga, levámos logo com uma parede nas trombas para abrir o apetite. Já levaram uma chapada de um jogador da NBA? Não? Eu também não, mas desconfio que a sensação é parecida. O topo da “Penha D’Águia” foi alcançado aos 4k e 580m de altitude. Dada a dureza da primeira subida, seguiram-se os 1.600D+ da subida ao “Poiso” para relaxar. Coisa pouca. Mais longa do que dura, o ponto mais alto do percurso (com 1.400m de altitude) foi alcançado de forma gradual, com uma boa gestão do esforço e uma perna às costas (ver duas fotos abaixo). “Se o ponto mais alto tem 1.400m, como é que a subida tem 1.600mD+?”, pensa o leitor armado em esperto. Vocês são mesmo burros, não são? Tem 1.600mD+ porque a subida iniciou-se abaixo do nível do mar. É só fazer as contas: 1.400 - 1.600 = -200m. Percebem agora? Burros.

 

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 [Lombinho]

 

Ultrapassado o aquecimento providenciado pela “Penha D’Águia” e pelo “Poiso”, o verdadeiro divertimento começou aos 35k com a subida do “Lombinho”. Uma vez que foi ele quem sugeriu o “Lombinho” à Organização, sinto que ao subi-lo fiquei a conhecer melhor o Luís Fernandes. Tenho agora a certeza de que o Luís é sádico. Lamento, mas 600mD+ em 1,8km é coisa de sádico. É. Não há outro adjectivo para descrever o desejo de ver os outros a sofrer. Querem provas? Pois bem: reparem no sorriso dele no cartaz acima publicado. Ele está a subir o “Lombinho” e aquilo não é sorriso de quem está feliz por alcançar o seu topo. Aquilo é sorriso de quem está a imaginar o sofrimento dos que aí iriam levar com a marreta no dia da prova.

 

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Não tenham pena do Tiago. O tipo não é perneta. Toca corneta mas não é perneta. Bem pelo contrário. O nosso «Todo-o-Terreno» achou a prova de tal forma fácil que fê-la com uma perna às costas. Pegou numa guita, atou a perna esquerda à mochila e fez 4.º lugar à geral. Conhecem a expressão fiz não-sei-o-quê “com uma perna às costas”? Pois bem, este é um desses casos. Nem quero imaginar o resultado que ele teria alcançado se tivesse corrido com as duas pernas às costas.

 

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Detesto puxar a brasa à minha alheira, mas o facto é que a EDV-Viana Trail foi a grande dominadora do UTPCN. Sem espinhas. Com 4 atletas no top10 e 6 no top15, vencemos colectivamente e demos um passo de gigante com vista à revalidação do título de Campeões Nacionais de Trail Ultra. A nível individual, o destaque vai para os dois primeiros da classificação geral. Ricardo Silva fez primeiro e Pedro Rodrigues fez segundo, ambos posteriormente entrevistados na meta pela RTP Madeira. O «Robocop» confessou que tinha comprado uma garrafa de poncha na véspera da prova e, por lapso, troco-a pelo seu isotónico habitual. A poncha e o isotónico são da mesma cor, daí a confusão. O «Troncos» havia assado as partes baixas durante o MIUT e mostrou-se felicíssimo com os seus novos calções.

 

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Fui ao pódio em representação do meu colega de equipa Victor Correia (1.º M45) e estava à espera que me dissessem que era novo demais para M45. “Tens uma pele muito macia e um rabinho jeitoso demais para M45”, diriam eles. Mas ninguém disse nada. Estarei assim tão acabado? É que ainda são 10 anos de diferença. Tenho 35 e, para o Ministério da Agricultura, 35 anos ainda é jovem. É-se Jovem Agricultor até aos 40. Seja como for, certo é que o Victor e o Tiago (3.º SM) tinham voo de regresso ao Continente à hora da entrega de prémios. No entanto, isso não os impediu de estarem presentes. É para estas coisas que serve o Photoshop.

 

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Por fim, é com tristeza que noticiamos mais um caso de violência doméstica no Trail Nacional. Cristina Couceiro venceu destacada o UTPCN e o seu marido, José Feteira, deu-lhe um banano por ela ter tido o desplante de ficar à frente dele. Que se passa com vocês? Quem vos viu e quem vos vê. Antes só beijinhos e agora só bananos. Em baixo, como prova do crime, vemos a Cristina a meter gelo na vista esquerda.

 

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Querem saber mais? Vejam a reportagem:

 

 

7 Comportamentos Estúpidos do Zé-Povinho Atleta em Provas de Endurance

por Pedro Caprichoso, em 13.07.16

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1. Partir à frente do pelotão

Partir à frente só para aparecer na fotografia, ainda que depois se seja rapidamente engolido pelo pelotão. Há 2 tipos de pessoas a evitar nas partidas: (1) os velhos que ainda pensam que são novos e (2) os atletas de ginásio artilhados com tecnologia-de-ponta dos dedos dos pés à ponta dos cabelos. Estas duas espécies de gente fazem de tudo para partir à frente dos outros. Será que acreditam, mesmo, que são os 10 segundos que ganham no arranque que fazem a diferença numa prova de 100k? Deve ser só mesmo para aparecerem na fotografia. É uma pena, pois aqueles que partem à frente são justamente os mais feios—e as fotografias ficam estragadas.

 

2. Correr ofendido

Já vos aconteceu ultrapassarem um tipo—apenas os homens exibem este comportamento—e ele ficar ofendido com a vossa ultrapassagem? O tipo partiu a matar, levou com a marreta aos 40k e vai a dar as últimas. Vocês ultrapassam-no e, cheios de boas intenções, largam um “Tudo bem?”. Ele ofende-se com a pergunta e, para se vingar, ultrapassa-vos de seguida fazendo um sprint à Usain Bolt. Vinte metros mais à frente, vocês voltam a ultrapassá-lo. Desta feita, ao passarem novamente por ele, deixam escapar um “Força!” em jeito de gozo. É o que eu faço. Se ainda não chegámos a meio da prova, um “Já falta pouco” também fica bem.

 

3. Questionar a idade dos outros

Conto pelas palmas de 7 mãos os atletas veteranos que em competição questionaram a minha idade para saberem em que lugar se encontravam no seu escalão. Nada contra. Creio é que não seja boa política correr com o pensamento centrado na classificação. Como pode uma pessoa divertir-se numa prova de Endurance focando-se apenas na possibilidade de fazer pódio? Só para foder com a cabela deles, em vez de indicar-lhes a minha idade, indico-lhes antes a data do meu nascimento. Depois mijo-me a rir ao vê-los fazer contas de cabeça.

 

4. Desistir por machismo

Há tipos que desistem a meio de uma prova quando são ultrapassados por uma mulher e sabem que acabarão atrás dela. Este fenómeno ocorre quando um homem (que nas Ultras fica à frente das mulheres) é papado por uma mulher numa prova de Endurance. Elas gerem melhor o esforço—não partem à maluca como muitos homens fazem—e depois eles são “comidos de cebolada” na segunda parte das provas. Quando isto acontece, cai-lhes a pila e desistem. Para terem noção da estupidez que isto representa, basta dizer que o top3 masculino nacional está ao mesmo nível do top3 feminino mundial. Ou seja, contam-se pela palma de uma mão os Tugas com capacidade para ganhar às melhores do mundo. Não vão obrigar-me a relembrar-vos o que se passou no MIUT, pois não? Ah… acho bem.

 

5. Desistir por orgulho

Há tipos que desistem a meio de uma prova quando sabem que não conseguirão alcançar os seus objectivos definidos à partida. Isto é estúpido em geral, mas é particularmente estúpido em provas de Endurance. O objectivo à partida de uma prova de Endurance deve ser só um: chegar ao fim. Tudo o resto deve ser ditado pelo desenrolar da prova. A Endurance implica superação—e superação não é ficar na posição x ou fazer o tempo y. Superação é ultrapassar os obstáculos com que nos deparamos. Quem não encarar as coisas desta forma está no desporto errado. A expressão “Never Quit” é igualmente estúpida, pois desistir por motivos de saúde não é sinal de fraqueza; é sinal de inteligência. Por outro lado, desistir por orgulho—pois é disso que se trata—é bué estúpido. [No meu tempo, bué era tótil.] No fundo, o raciocínio é: mais vale desistir do que assumir que não alcancei os meus objectivos pré-definidos e estupidamente publicados no facebook. Publicar objectivos nas redes sociais antes de uma prova tem um nome: auto-sabotagem.

 

6. Lutar contra o Homem da marreta

Há quem cerre os dentes e lute contra o homem da marreta depois de levar com ela nos cornos. É errado. Mais do que errado, é estúpido. É impossível derrotar o homem da marreta. O máximo que podemos fazer é recuperar o mais depressa possível da marretada. Para tal há que ter calma, não entrar em pânico, alimentar-se e reduzir o ritmo. Quem faz provas de Endurance precisa mentalizar-se de que vai passar por pontos baixos—e há que encarar esses momentos com naturalidade. Usando uma analogia fofa: o remédio para recuperar de uma marretada não é andar à porrada com o homem da marreta, mas antes aceitá-lo e recebê-lo de braços abertos.

 

7. Fixação com a bandeira nacional

Muitos são os atletas de pelotão que vão correr ao estrangeiro e levam a bandeira nacional na mochila para desfraldá-la quando cortam a meta. Pessoalmente, acho estúpido o patriotismo bacoco da exibição da bandeira. Se ainda houvesse algum subtexto inerente à bandeira, de que é exemplo a bandeira basca sempre que esta é usada em contexto desportivo. Agora, exibir a bandeira por exibi-la? Para quê? Para anunciar ao mundo que somos Portugueses? Que mérito há em ser Português por oposição a ser Francês, Alemão, Chinês ou de outra nacionalidade qualquer? Seja como for, ainda vejo algum sentido em desfraldar a bandeira quando se participa numa prova em representação do nosso país. O mesmo não se aplica quando se participa numa prova a título individual. Nesse caso, quando muito, representamo-nos a nós próprios e à nossa equipa. A nível colectivo, se querem desfraldar uma bandeira, que tal desfraldarem a bandeira da vossa equipa?

 

Parece-me que o desfraldar da bandeira nacional é reflexo de algum complexo de inferioridade do povo português, pois não vejo os atletas de pelotão de outras nacionalidades desfraldarem a sua bandeira na mesma proporção. Os atletas de elite estrangeiros fazem-no quando vencem em representação do seu país. Mas, no caso dos atletas de pelotão, tal comportamento é muito português. Basta atender aos finishers do UTMB (que na meta desfraldam a bandeira do seu país) para verificar que a maioria são portugueses. Há aqui uma certa necessidade de afirmação nacionalista que é transversal aos povos oprimidos, como é o caso dos bascos. É evidente, também, que o hábito recente de exibição da bandeira está intimamente relacionado com a Selecção Nacional de Futebol pós-Euro2004. 

Rescaldo nos bastidores do UTSF

por Pedro Caprichoso, em 30.06.16

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A APA—Agência Portuguesa do Ambiente emitiu ontem um comunicado no seguimento de inúmeros avistamentos de um indivíduo macho da espécie Lince Ibérico. Os avistamentos foram reportados, no passado Sábado, em diversas localidades da Serra da Freita. A APA pretende tranquilizar a população, assegurando às gentes da Freita que este Lince é domesticado e dá pelo nome de Jérôme Rodrigues. As cabras e galinhas dos populares estão a salvo. O mesmo não se poderá dizer dos coelhos e dos porcos, pois o Jérôme é exímio na caça ao [Bruno] Coelho e é uma enfardadeira de presunto.

 

[vídeo de Luis Costa.] 

[Daqui: https://www.facebook.com/PortGuns/videos/10153514394627676/]

 

Se o Zack Miller ficou famoso por comer chocolate à "javardo", o Jérôme ficará famoso por comer presunto à "lambão". Em resultado, agora vão todos começar a enfardar presunto nas provas de Endurance. Muito fará este vídeo pelas charcutarias e talhos deste país. Nenhum atleta do AMCF—Arrábida Trail Team foi ferido durante a realização deste vídeo. O presunto não é de javali. É de porco preto.

 

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Repararam no sex appeal do indivíduo que no vídeo acima publicado dá presunto na boquinha do Lince? Que brasa! Considero que esta brasa fez um excelente trabalho de assistência ao vencedor do UTSF. Muito longe, ainda assim, do profissionalismo exibido pela equipa de apoio do Tiago Aires. “Abastecimento à patrão” é a expressão que melhor encontro para descrever o tratamento que o Tiago recebeu em cada posto de abastecimento. Parecia a boxe de uma equipa de fórmula 1: cadeirinha de praia para o marmanjo se alapar, mudança de pneus soft flasks, nestum na boquinha, substituição de meias, cara lavada, barba feita e cabelo aparado. Só faltava pô-lo a fazer cocó e limpar-lhe o rabinho! Mas nem todos estão talhados para fazer esse serviço. Só eu é que o faço. Não é, Jérôme?

 

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As passagens pelos cursos de água do UTSF têm-nos dado imagens emblemáticas ao longo dos anos. Desta feita, não só nos deu imagens como também nos deu vídeos. No que toca às imagens, destaco a foto em que o Jérôme se prepara para se despir e dar um mergulho. Tivemos acesso às imagens em nu integral, mas a linha editorial do TopMáquina impede-nos de publicá-las. Metade do nosso público é pré-adolescente. O atleta da EDV-Viana Trail tirou primeiro a viseira e depois o resto do equipamento. Ficou apenas com as sapatilhas. Apercebendo-se de que o Lince se ia despir, o Bruno procurou logo arrefecer a zona genital de maneira a não ser apanhado pelos fotógrafos com a tenda armada. Quanto ao vídeo, vamos pegar na rubrica da Euronews e fazer deste o nosso momento «No Comment»:

 

[No Comment]

 

A Liliana trouxe a sua saia rodada para dançar. Infelizmente, não se podia dançar no único abastecimento onde havia música. Era proibido. Refiro-me à Póvoa das Leiras (k60). Ter música e não poder dançar é tortura psicológica—o que para muitos torna-se insuportável quando a esta se junta a tortura física imposta pela dureza da prova. Não admira, por isso, que este tenha sido o abastecimento onde mais atletas desistiram. Fizeram mal. Não deviam ter desistido. Não tê-lo-iam feito se soubessem que teriam oportunidade de dançar mais à frente. Perderam a dança da corda-bamba na subida da Besta.

 

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O UTSF divide opiniões. É o UTSF e o Cristiano Ronaldo. Uns adoram-no; os outros detestam-no. Não há meio-termo. Uns adoraram o UTSF e prometem voltar; os outros detestaram-no e garantem que “na Freita nunca mais”. Excelente! Tal significa que a Freita é uma prova única. Citando o pai do Trail Nacional: “Quero lá saber se gostam ou não! Sempre que vierem à Freita é isto que vão ter, por isso é que lhe chamo Trail para Elite”. Uns gostaram tanto que, durante a prova, mudaram dos 65k para os 100k. Outros gostaram tanto que se entusiasmaram para além da conta e deu nisto:

 

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Ainda estou para perceber como é que o Paulo Lopes não foi desclassificado. Ele e o Rui Luz ficaram sem água ao k45 e mamaram das tetas da vaca que aparece na selfie abaixo publicada. Como se isto não bastasse, temos ainda o beijinho ilegal da Carla Reis ao k48. Acontece que o regulamento do UTSF é claro no que diz respeito ao apoio externo aos atletas. Reporto-me ao capítulo 4, artigo 254, alínea 6: “O apoio externo só é permitido nos postos de abastecimento, incluindo o apoio nutricional, emocional, afectivo e/ou amoroso.” Não estou contra as vacas. Querem mamar nas tetas da vaca? Tudo bem. Mamem. Mamem o que quiserem, mas mamem nos postos de abastecimento. Ponham o vosso porta-dorsais ao pescoço da bicha, levem-na até ao próximo posto de abastecimento e depois, aí sim, mamem à-vontade. E também não estou contra os beijinhos. Eu também dei beijinhos ao Jérôme, mas sempre a menos de 10 metros dos postos de abastecimento. Regras são regras. Já se devem ter esquecido disto. No estrangeiro cumprem as regras. Aqui é a bandalheira do costume.

 

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A organização do UTSF disponibilizou voluntários, polícia, bombeiros, enfermeiros, médicos, massagistas, psicólogos e o GOBS—Grupo Operacional de Busca e Salvamento. Dado o número de vítimas, faltou contudo providenciar um padre para dar a extrema-unção aos falecidos. Resgates, massagens e curativos é bom. No entanto, o que é isso comparado com entrar no purgatório com a alma limpa de pecados? O Faria e o Marcolino faleceram—e quem é que lá estava para salvar as suas almas? Pois é, nisto não pensam as organizações. O Rui Luz também chegou morto à meta, mas mesmo morto apresentava-se numa pose sexy. A isto chama-se “falecer com estilo”.

 

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Voltando aos bovinos, proponho fazermos todos uma vaquinha para comprar umas sapatilhas novas ao proprietário das pernas abaixo publicadas. Desengane-se quem pensa que a Freita é responsável pela destruição das sapatilhas. A foto foi tirada na partida, pelo que o rapaz não tem é mesmo dinheiro para comprar calçado. Eu, pela parte que me toca, já lhe estou a tricotar um par de meias. Aquele dedo ainda apanha um resfriado e depois é que são elas. O dinheiro que sobrar será aplicado num vale de compras de uma reconhecida clínica de podologia de Ermesinde. A foto não precisa de cheiro para chegarmos à conclusão de que o rapaz sofre de chulé crónico.

 

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Há dois momentos do UTSF 2016 que me ficaram na memória. O primeiro diz respeito à procissão das equipas de apoio que acompanharam os atletas de posto em posto de abastecimento, pedindo indicações uns aos outros, dando palpites sobre o desenrolar da prova, dividindo a merenda para matarem a fome. Prefiro correr, mas tenho de admitir que nos bastidores não se está nada mal. O segundo, só de pensar nele, deixa-me o rosto em lágrimas: estar entre os milhões de resistentes, que cagaram para o futebol (Portugal Vs Croácia) para estarem na meta a aplaudir os atletas, deixou-me com um nó na garganta. Chorei. Admito. Ainda assim, não tanto quanto algumas atletas que acabaram a prova à hora do jogo e foram encontrar a sua cara-metade no café a ver a bola.

 

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Por fim, para descontrair um pouco, proponho um momento Trivial Pursuit. Pergunta: quem são os tolinhos que este ano cometeram a proeza de completarem as 4 provas do Campeonato Nacional de Endurance (UTAX, MIUT, EGT e UTSF) e as 100 milhas do Oh Meu Deus? Estamos a falar de 575k e 30.700D+ em 6 meses. Conheço 2. Um gosta de chafurdar na lama; o outro enfarda cachos de uvas na véspera das provas. É fácil, não é? Refiro-me aos inigualáveis Lino Abel Luz e José Faria, que levam para casa o prémio da combatividade referente ao primeiro semestre de 2016. É favor levantarem o vosso prémio na sede da ATRP.

Rescaldo Hard Trail Monte da Padela 2016

por Pedro Caprichoso, em 21.06.16

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Não consumo leite e seus derivados. Bebi-o até aos 16 anos como o nosso amigo Brad, mas depois ganhei vergonha na cara e deixei-me disso. Já não mamo. Agora só apalpo. O cancro da mama é lixado e a prevenção é o melhor remédio. A OMS diz que devemos apalpar—e eu apalpo. Levo a apalpação muito a sério. Comigo nunca fica uma mama por apalpar. Nunca me aconteceu apalpar só uma mama. Nunca me aconteceu apalpar uma mama e depois dizer: “Pronto, já chega. Estou bem assim. Fico-me por esta. Apalpo a outra amanhã.“ Nunca. Sempre que apalpei uma, apalpei a outra. Apalpo sempre aos pares. Isto tem um nome: profissionalismo. Pelas minhas contas, já salvei a vida a 116 mulheres. Não têm de quê. Sei que sou um herói aos olhos de muita gente, mas prefiro manter o anonimato. Sou muito humilde, lido mal com a fama e não gosto de me misturar com o povo. Cheiram mal.

 

Também apreciava leite de vaca, mas este causava-me flatulência e fui vítima de bullying por ser um cagão inveterado. Cagão de vento. Cheguei ao ponto de não conseguir controlar a tripa. Não tinha mão sobre ela. Padecia da síndrome do rabo esquizofrénico. Imaginem-me numa sala de aula no mais absoluto silêncio e, de repente, o meu rabo irrompe num festival de fogo-de-artifício a meio da prova global de Matemática. Do nada, de um momento para o outro, sem que nada o fizesse prever. Nesse dia, 18 de Junho de 1996, cheguei ao meu limite e jurei para nunca mais. Nunca mais bebi leite. Tive alguns problemas de saúde devido à falta de cálcio, mas agora tenho o meu amigo Calcitrin.

 

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Se no caso do leite fui obrigado a deixá-lo, no caso dos lacticínios foram eles que me deixaram. Nunca gostei de manteiga, iogurte e queijo—e quem não gosta de queijo não gosta de pizza. Já viram a volta que eu dei para fazer a ligação com a caixa de pizza oferecida pela organização do HTMP—Hard Trail Monte da Padela? Dizem que era um kit de participação. A mim calhou-me uma pizza. Crocante? Siciliana? Bolonhesa? Calabresa? Frio. Era uma pizza Caminheira. A pizza era feita à base de eritropoietina e trazia como brinde um autocolante com a inscrição «Hard Runner Inside» para colar numa superfície envidraçada. Tinha duas hipóteses: ou colava-o no vidro do carro ou no espelho do tecto do meu quarto. Uma vez que a ênfase está na palavra «Hard», optei pela segunda.

 

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Cheguei a Barroselas às 06h45 e executei à risca o meu ritual pré-prova: rezei um terço para dar sorte, alonguei para evitar lesões e fiz o n.º 2 para partir levezinho. Até parece que já estou a ver os moralistas do teclado a cortarem-me na casaca por poluir o monte com papel higiénico borrado. Calma. Menos. Os meus amigos ambientalistas podem sossegar a franga. Admito que não faço reciclagem e vazo embalagens vazias de gel no monte, mas sou muito fresquinho no que toca à minha higiene pessoal. Nesse sentido, usei toalhitas recicláveis e posso garantir que as minhas fezes não são radioactivas. Alimento-me apenas à base de produtos biológicos, pelo que o meu cocó é rico em fertilizantes naturais. No fundo, não caguei. Adubei. Não têm de quê.

 

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Fiz um buraquinho, aliviei a tripa para dentro do buraquinho, limpei o rabinho da frente para trás, depositei as toalhitas borradas com os dejectos, tapei o buraquinho, esfreguei as mãos em folhas de eucalipto, regressei ao carro, equipei-me, lembrei-me—no ano passado esqueci-me—de colocar o chip na sapatilha, esgacei o pessegueiro—é mais saudável do que tomar comprimidos para os nervos—e fui informado de que um elemento da Organização havia sido espancado por um popular. O tipo andava de moto 4 a verificar as marcações e um octogenário chegou-lhe a roupa ao pêlo. O motociclista pisou as nabiças do idoso com a mota e o idoso esmagou os tomates do motociclista com o cabo da sachola. Com medo de me cruzar com o reformado durante a prova, os meus intestinos cederam e borrei a cueca. Novamente. Ou seja: mais um buraquinho, mais uma cagada, mais uma limpeza do rabinho da frente para trás—sempre da frente para trás—e mais um pacote de toalhitas. Desta feita, com a pressa, esqueci-me de limpar as mãos e só me apercebi disso depois de cumprimentar o Jérôme Rodrigues. Malditos octogenários! É por estas e por outras que eu sou a favor da eutanásia. Muito forte? Azar. Para quem não sabe, Je Suis Le Gay Cordes.

 

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Na foto acima publicada vemos o Presidente da Junta da ATRP a refrescar a moleirinha do vencedor do HTMP. Tal comportamento não é grave em si mesmo. Grave é o André ter sido o único a ter direito a semelhante tratamento. Se molhou o cocuruto de um, molhava o cocuruto de todos os associados da ATRP. De todos sem excepção. Se isto não configura tratamento preferencial… Enfim, é mais do mesmo. Uns são filhos e outros são enteados. Já estou habituado. O Rui a mim só me deu uma palmada no rabo como fazem aos ciclistas na volta à França. Não vou insinuar que foi por isso que o André ganhou, mas também não vou insinuar que não foi por isso que o André não ganhou. Percebem? Eu não trabalho com insinuações. Só com factos. E o facto é que o André ficou com remorsos e tirou-me o chip das sapatilhas em jeito de pedido de desculpas. Estava com dificuldades para me segurar em pé devido a uma queda de açúcar e ele ajudou-me a desapertar a sapatilha. Só me voltei a sentir bem após a décima sétima bola de berlim. Colocar bolas de berlim no abastecimento final foi, de longe, a melhor decisão do HTMP em termos organizativos. A segunda, se a queda de açúcar não me trai, foi colocar gajas em topless a entregar as medalhas de finisher. Estão todas de parabéns.

 

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Para além da situação descrita no parágrafo anterior, o HTMP ficou manchado por outro caso de conduta anti-desportiva. Bruno Coelho e Diogo Fernandes lutavam pelo segundo lugar na subida à Lage Negra quando o primeiro usou os bastões na pedra para lançar limalhas para os olhos do segundo. A imagem abaixo publicada não deixa margem para dúvidas. Depois de analisada pelo Conselho de Disciplina da ATRP, o Bruno pode incorrer numa pena de 6 meses a 2 anos de trabalhos forçados na Serra da Freita.

 

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O Diogo ficou compreensivelmente aborrecido com a injustiça e só o consegui acalmar no duche. Não tenho por hábito falar da minha vida privada, pelo que não vou entrar em detalhes. Direi apenas que o Sheriff possui um revólver de grande calibre.

TraiLoveMatch

por Pedro Caprichoso, em 07.06.16

O MIUT 2016 teve o condão de pôr a nu duas realidades distintas. A primeira é positiva: o MIUT foi um sucesso organizativo, colocando Portugal na rota do Trail Mundial. A segunda é negativa: os atletas nacionais ainda estão longe da elite mundial. Nesse sentido, de maneira a corrigir a segunda, venho por este meio oferecer uma sugestão de maneira a elevar o nível do atleta tuga e garantir o futuro competitivo do Trail Nacional. Não podemos esperar que o próximo Carlos Sá apareça como o original. Isto é, do nada. Temos de pensar a longo prazo e começar a implementar medidas no sentido de potenciar o aparecimento de novos valores. Os românticos acreditam que os grandes atletas fazem-se com treino. É falso. O treino é importante, mas a componente principal é genética. Pode-se treinar mais e melhor, que sem genética não se vai a lado nenhum. Essa é a crua realidade.

 

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Posto isto, proponho a criação de um site de encontros online para que os melhores atletas nacionais procriem uns com os outros e “produzam” os próximos Carlos Sás. A plataforma informática chamar-se-ia “TraiLoveMatch” e estaria sobre a alçada da ATRP, funcionando como uma espécie de agência matrimonial. É claro que a plataforma só estaria acessível a atletas descomprometidos. Não queremos estragar os “arranjinhos” que já existem no pelotão nacional, embora ande por aí muito casal que ainda não procriou—e já o devia ter feito. Eu e a Analice também estamos em falta, mas andamos a fazer por isso. Treze vezes por semana.

 

Para além do site, atrevo-me a enumerar mais algumas medidas de apoio à natalidade no âmbito do Trail Nacional.

  1. Disponibilização de babysitters em provas dos Campeonatos Nacionais;
  2. Vales de desconto em lojas de desporto para famílias numerosas em que ambos os progenitores são atletas;
  3. Deduções à colecta de despesas de psicotrópicos por parte dos avós que tomam conta dos piralhos enquanto os pais destes estão a treinar / competir.
  4. Introdução de novas categorias (à semelhança dos escalões etários) tendo por base o número de filhos: F1, F2, F3, F4, etc.
  5. Em vez de cabazes com produtos regionais, ofertar produtos para lactantes (fraldas, toalhitas, pó de talco, papa, leite de transição e bomba tira-leite) como prémios de pódio.
  6. Introdução, por parte da Prozis, de uma linha de suplementação para recém-nascidos;
  7. 50 pontos de bónus no Campeonato Nacional por cada filho nascido no ano correspondente;
  8. Ensino gratuito na Escola Abutrica para todos os filhos de atletas de elite;
  9. Inclusão da vacina de “pé de atleta” no plano nacional de vacinação, tornando-a assim gratuita.
  10. Agravar as consequências para as equipas que não cumpram as leis já existentes sobre protecção de atletas grávidas, passando a contra-ordenação de leve para grave; e impedindo as equipas, que tenham sido condenadas por despedimento ilegal de grávidas, de virem a receber quaisquer subsídios ou subvenções da ATRP.

Rescaldo Azores Trail Run 2016

por Pedro Caprichoso, em 03.06.16

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[video de Manuel Morais] 

 

Andam todos de trombas comigo. Dizem-se enganados. Marcam treinos e não me convidam. Ignoram-me. Garanti aos meus colegas de equipa que o Azores Trail Run era uma prova fácil—leia-se corrível—e eles ficaram de trombas. Acham que eu estava a gozar com eles e levaram a mal. Há 2 anos participei na primeira edição e os trombudos vieram-se aconselhar junto da minha pessoa. Aconselhei-os de graça e é assim que eles me agradecem. Já viram o desplante? Em 2014, a prova disputou-se em tempo seco e eu fi-la praticamente toda em passo de corrida. Que culpa tenho eu se este ano se abateu um temporal sobre a ilha do Faial? Sou responsável pelas acções do meu homónimo São Pedro? É isso? Seja como for, pese embora disputada num lamaçal, continuo a considerar a prova rolante. Parafraseando a minha amiga Liliana Gomes: “O percurso era rolante. A lama rolava que é uma beleza!” Rolava e deslizava como um caracol no orvalho. Nunca pensei dizer isto, mas fui aos Açores matar saudades dos Trilhos dos Abutres.

 

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Zaid Ait Malek era o favorito à partida do Azores Trail Run—Faial Coast to Coast (45k, 2.300D+). O campeão marroquino viu-se porém forçado a desistir logo à passagem do k2. A versão oficial é a de que ele ressentiu-se de uma lesão contraída em Zegama, disputada no fim-de-semana anterior. Mentira. Ele não estava lesionado. Não procurem justificações elaboradas para ocorrências simples. A verdade é simples: o Zaid borrou a cueca e desistiu porque não aguentou a pressão. O Presidente do EDV-Viana Trail recorreu à guerra psicológica, meteu conversa com ele e disse-lhe que o Jérôme Rodrigues lhe ia fazer a folha. O Jérôme olhou-o nos olhos, fez cara de mau e o Zaid começou a chorar como uma criança a quem lhe roubaram o chupa-chupa. Embora tremendo como varas verdes, ele ainda assim teve tomates para se apresentar à partida. Pior foi quando a Lucinda Sousa se começou a meter com ele. Ela disse-lhe que lhe ia estragar as sapatilhas e ameaçou atarraxar o porta-dorsais à cintura do marroquino, de maneira a que ele a rebocasse vulcão acima. Resultado: borrou a cueca.

 

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Fez-se história nos Açores. Fernanda Verde (EDV-Viana Trail) e Mary Vieira (Dr. Merino / Nutrifit) foram as primeiras atletas femininas do mundo a cortarem a meta de uma prova de Trail de mãos dadas. Fizeram praticamente toda a prova juntas, alcançaram o 4.º lugar ex-aequo e demonstraram que a amizade e o companheirismo não são exclusivos do pelotão masculino. Embora não tenham cortado a meta de mãos dadas, Miguel Martins (Dr. Merino / Nutrifit) e Jérôme Rodrigues (EDV-Viana Trail) também espalharam amor e carinho na meta do Azores Trail Run. Abraçaram-se e apalparam o rabinho um ao outro como fazem os jogadores e voleibol após ganharem um ponto. É caso para dizer: arranjem um quarto! Eu não devia dizer isto, mas não resisto: todos os atletas do EDV-Viana Trail têm um amigo colorido na equipa Dr. Merino / Nutrifit. O meu é o Diogo Fernandes. Os “Amigos Coloridos do Trail” é um projecto inter-equipas concebido pelos visionários Eduardo Merino e José Carlos Alcobia. Ainda ontem liguei ao Diogo porque estava com prisão de ventre e precisava de apoio psicológico para evacuar. Eram duas da manhã, o Sheriff atendeu o telemóvel de trombas, mandou-me à merda—e eu esguichei a dita cuja como se não houvesse amanhã. É disto de que falamos quando falamos em espírito do Trail. Por vezes cheira mal, mas sabe sempre bem.

 

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Por sorte do destino, demos de caras com o grande Gustave Lafume, um dos pioneiros do Trail Mundial. Uma referência, um exemplo e um modelo a seguir. Muito deu este homem ao Trail. Só é pena que a nova geração não saiba quem ele é. Foi emocionante assistir, num banal café do Faial, ao encontro de dois monstros do Trail Mundial. Separados por três décadas, Gustave e Jérôme relacionaram-se um com o outro como se fossem velhos amigos. Vitalidade capilar à parte, quase pareciam almas gémeas. A verdade verdadeira é que não faço a mínima ideia quem é o tipo. Gustave Lafume é nome fictício, resultado da conjugação de Gustavo (nome do gato do Jérôme) com Lafuma (a famosa marca francesa de desporto outdoor). Tanto quanto sabemos, ele pode chamar-se Gilberto da Silva. Simplesmente achámos-lhe graça e tirámos uma foto com ele. Depois afirmei, na brincadeira, que ele é um dos pioneiros do Trail Mundial e muitos engoliram a peta. Isto só serve para demonstrar, novamente, que há pessoas dispostas a acreditar em tudo. Por um lado, estão dispostas a acreditar em tudo; por outro, são preguiçosas ao ponto de emitir opiniões sobre assuntos que ignoram e sobre os quais não se dão ao trabalho de pesquisar. Espero que aprendam a lição: duvidem de tudo o que vos dizem e pesquisem. Cepticismo e pesquisa é o único caminho para evitar burlões e fazer figura de urso.

 

Os açorianos jogavam em casa e quiseram mostrar serviço. Alguns partiram a matar, foram perdendo gás e, depois, ao serem ultrapassados, questionavam a nossa naturalidade: “És açoriano?”, perguntavam eles. Isto porque, pelos vistos, havia prémios a nível regional. É a mesma coisa com os atletas veteranos, quando estes são ultrapassados e questionam a nossa idade para saberem em que lugar se encontram no seu escalão. Nada contra. Parece-me, porém, que não seja boa política correr com o pensamento centrado na classificação. Como pode uma pessoa divertir-se focando-se apenas na possibilidade de fazer pódio? Só para foder com a cabeça deles, em vez de lhes indicar o meu escalão ou idade, indico-lhes antes a data do meu nascimento. Depois mijo-me a rir ao vê-los fazer contas de cabeça. Quanto aos açorianos, ainda tentei enganá-los imitando o seu sotaque, mas acho que eles não foram na conversa.

 

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Lamento o que parece estar a tornar-se hábito por parte das organizações: atribuir classificação por equipas e, no fim, nem prever cerimónia de pódio colectivo nem atribuir o merecido prémio. Perde a festa, perdem as equipas, perdem os atletas e perdem os patrocinadores que apoiam as equipas e merecem o devido destaque. Mais lamentável ainda é quando estas provas fazem parte do Campeonato Nacional. A EDV-Viana Trail já declarou, em de sede própria, que no próximo ano seleccionará as provas em que irá participar: “A ATRP terá que garantir que as organizações cumprem os regulamentos se quiser continuar a contar com a presença da nossa equipa nos seus Campeonatos. As organizações obrigam os atletas a cumprir regulamentos, pelo que estas também têm de cumpri-los sob pena de serem excluídas dos Campeonatos. Algumas organizações simplesmente não respeitam os sacrifícios pessoais e financeiros que os atletas fazem para estarem presentes nas suas provas, preocupando-se essencialmente com a maximização do lucro. Os atletas e as equipas estão a fazer o trabalho de casa; é tempo dos restantes envolvidos no processo fazerem o mesmo.”

 

As Organizações não são obrigadas a atribuir prémios por equipas. Cada uma atribui o que lhe apetece; até há algumas que escolhem não atribuir prémios por escalões. São escolhas. Cabe depois aos atletas escolherem se querem ou não participarem nessas provas. Até aqui tudo bem. O problema surge quando o regulamento faz referência à classificação colectiva (e à forma como esta é determinada) e depois não há cerimónia protocolar para premiar a dita classificação—e foi justamente isso o que aconteceu nos Açores. A Organização do Azores Trail Run fazia referência à classificação colectiva no regulamento, mas não previu uma cerimónia de pódio para premiar as equipas. Está mal. Tal, porém, não nos impediu de subir ao pódio. Protestámos, fizemos barulho, fizemos as nossas contas, juntámos as 3 equipas vencedoras (EDV-Viana Trail, Morcegos Trail e Dr. Merino / Nutrifit) e subimos ao pódio à mesma. Os nossos patrocinadores merecem.

 

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As equipas não tiveram direito a participar na cerimónia protocolar, mas os gordos tiveram. Sabemos que estamos perante uma prova pouco competitiva quando pessoas com barriga sobem ao pódio. Falo de alguns vencedores de escalão do Family Trail. Anafados no pódio? A sério? Não custava nada medirem o perímetro abdominal dos vencedores antes de subirem ao pódio. Mais de 60cm e não subiam. É a imagem da prova que está em jogo.

 

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Jérôme Rodrigues e Tiago Aires—o eventual e merecidíssimo vencedor da prova—seguiam na frente quando falharam uma viragem por volta do k30. Ao falharem-na, seguiram no sentido errado, perderam a liderança da prova e cerca de 7min. Ler fitas faz parte do Trail e não vale a pena entrar na discussão se o dito entroncamento estava bem ou mal marcado. Só lamento o facto dos elementos da organização (que se encontravam nesse ponto) não terem avisado os atletas de que iam na direcção errada. Mais pessoas viriam a enganar-se no mesmo local, com os referidos elementos dentro dos automóveis, possivelmente a actualizarem a sua página de facebook. Assim que se aperceberam que se tinham enganado, ambos voltaram para trás e cruzaram-se novamente com os automobilistas. Estes baixaram o vidro embaciado do carro e perguntaram-lhes: “Vocês perderam-se, não perderam?” Imagino, com a minha imaginação tresloucada, que estariam a fazer o amor enquanto fumavam canábis e actualizavam a sua página de facebook. O facebook tem culpas no cartório—quanto a isso não tenho dúvidas.

 

Muitos arrependeram-se de não terem levado bastões para os Açores e depois fabricaram-nos pelo caminho. Embora usem-nos, alguns têm vergonha de fazerem figuras e deitam-nos fora no último km. No Faial, o depósito de muletas localizava-se a 500m da meta, no início do trilho de cinzas do vulcão dos Capelinhos. Outros há que não têm vergonha nenhuma e cruzaram a linha de meta nestes preparos:

 

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Rescaldo EGT 2016

por Pedro Caprichoso, em 26.05.16

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Parece que a RTP tem um novo concurso chamado «The Big Picha». Ouvi bem? O meu Inglês é muito fraquinho, mas juro-vos que é isso o que eles anunciam na promo. Escrevi esta pseudo-piada aqui há atrasado—e, pelos vistos, confirma-se. A ficção ultrapassou a realidade. Novamente. O concurso chama-se mesmo «The Big Picha». Ouvi bem. Não estou demente. Louvado seja São Francisco de Sales—padroeiro dos de difícil audição. O nome bem que me soava bem. Só assim se justifica o assédio sofrido pelo apresentador Pedro Fernandes às mãos do mulherio que com ele quiseram tirar uma selfie antes da partida do EGT46k. Disseram-me.

 

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Os famosos são uma espécie superior ao comum dos mortais. Custa admitir, mas é verdade. Fiquei hospedado no mesmo hotel do apresentador acima aludido, do cozinheiro Kiko e de um actor de telenovelas—cujo nome não tenho pachorra de googlar—e pude estudá-los durante o pequeno-almoço de Domingo. Sentei-me na mesa ao lado da deles e observei-os como um adolescente observa uma mulher nua pela primeira vez. Avaliei-os de cima a baixo e senti que estava na presença de seres incomparavelmente melhores do que eu. São tipos com muito swag, nomeadamente ao nível do andar. Há quem também lhe chame empeno. Robot style.

 

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Deixando as piadas porcas de lado, digam-me, com toda a sinceridade, o que vos faz lembrar a imagem acima publicada? Sejam sinceros. Digam-me que eu não sou um porco imundo que só pensa naquilo. Leia-se: pornografia geológica. Não tenho medo das palavras. Pornografia geológica é uma patologia sexual como outra qualquer. Se há quem olhe para as nuvens e nelas veja personagens da Disney a pinocar, qual é o problema de vislumbrar partes da anatomia feminina num afloramento rochoso? Dizem que passámos por dentro da Fenda da Talisca por volta do k13. Não me lembro—e olhem que eu lembro-me de tudo. Tenho memória de elefante. Lembro-me, inclusive, do meu nascimento—e estou em condições de vos assegurar que não foi cesariana.

 

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Muitos consideram que a Organização foi demasiado exigente em relação ao equipamento obrigatório. Discordo. A meu ver, pelo contrário, não foi exigente o suficiente. Exigiram casaco e calças impermeáveis, ligaduras, camisola térmica de manga comprida e dois frontais. No entanto, esqueceram-se do mais importante: raquetes de neve. O meu colega de equipa Jorge “Relógio Suíço” Rocha tentou correr na neve sem raquetes e o resultado saldou-se por um valente bate-cu. Por milagre, da queda não resultou nenhuma lesão. Por outro lado, bem vistas as coisas, a neve só lhe fez bem: anestesiou-lhe as nalgas da queda, arrefeceu-lhe o motor—que vinha em sobreaquecimento—e permitiu-lhe entrar no top10 da classificação geral.

 

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O feedback dos atletas com quem falei é altamente positivo: sinalização perfeita, percurso deslumbrante, organização competente, secretariado eficiente, PACS bem apetrechados, brindes fixolas, solo duro aconchegante, fotógrafos bem-dispostos, Carlos Natividade Silva e voluntárias giras. Queixas ouvi poucas: muito estradão nos últimos 30k, banho de água fria (para os atletas dos 90k) e zonas com algum mato. Apenas isso. Percebo o descontentamento dos descontentes, mas não concordo. Bem pelo contrário. O que para uns são pontos negativos, para mim são vantagens: venho da estrada, gosto de rolar e foi nos estradões onde ganhei mais lugares; o mato esfoliou-me a pele e esta semana já poupei 25€ em tratamentos de beleza; o duche em modo crioterapia minimizou-me o empeno e ainda fiquei com pernas suficientes com vista ao Azores Trail Run. A minha única crítica a sério—atenção que esta parte é a sério—tem a ver com a ausência de prémios por equipas. Não sei se a responsabilidade é do EGT ou da ATRP. O que eu sei é que não faz sentido que uma prova do Campeonato Nacional não atribua prémios por equipas. A razão é simples: se há classificação por equipas no âmbito do Campeonato Nacional, é evidente que as provas a contar para esse Campeonato devem prever uma cerimónia protocolar a nível colectivo.

 

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Rebentou-se-me uma veia do nariz por volta do k65 e tive de improvisar um tampão para estancar a hemorragia. Enrolei uma embalagem vazia de gel—como quem enrola um charro—e enfiei-a pela minha narina esquerda acima. Descobri, assim, por mero acaso, que o efeito de absorção do gel é maior snifado do que ingerido. Por instantes, senti-me na pele da Uma Thurman no Pulp Fiction após levar uma injecção de adrenalina no coração. Parecia um foguete na aproximação ao abastecimento dos 70k, onde cometi o erro de ingerir canja de galinha. A canja cancelou o efeito do gel e tive de penar na última e interminável contagem de montanha. É pena, pois acho que ainda ia a tempo de ganhar se tivesse enfiado outro gel pelo nariz acima. Agora que penso nisso, será que o efeito é o mesmo se o enfiar no rabo? Já estou habituado a enfiar objectos fálicos no rabo, mas embalagens de gel é novidade. Vai tudo correr bem. Também, se correr mal, é só telefonar ao meu contacto no Hospital de Viana do Castelo. Ele já está habituado a tirar-me coisas do rabo—e é de um profissionalismo à prova de bala.

 

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O meu colega de equipa Tiago “Todo-o-Terreno” Teixeira é um dos tipos mais duros que eu conheço. “Vi a morte à minha frente”, exclamou ele quando o encontrei mais branco do que cal no PAC3 (30k). O TT bebeu água à guloso, sofreu uma paragem digestiva, viu a morte à frente, olho-a nos olhos, mandou-a à merda, meteu os dedos à garganta, chamou o Gregório e fez-se homem. 2h depois, o mesmo Tiago chegava à Torre com o 7.º tempo mais rápido do km vertical entre os finishers. Tiro-te o chapéu, Tiago. Bastava-me metade da tua força. Em baixo vemo-lo a estudar o perfil da prova numa fatia de pão. Já tinha ouvido falar de gente que vislumbra a figura de Jesus Cristo em torradas e manchas de humidade, mas nunca o perfil de uma prova numa fatia de Panrico.

 

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O colete de finisher do EGT é o melhor colete de finisher do mundo. Por quê? Porque livrou-me de uma multa. Passo a explicar: a polícia mandou-me parar à entrada de Seia quando regressava a casa da Serra da Estrela. Pediram-me os documentos da viatura, pediram-me para soprar ao balão e pediram-me o triângulo e o colete reflector. Tinha o triângulo; não tinha o colete. Havia-o emprestado ao meu primo Asdrúbal, que mo cravou para ir a Fátima a pé pagar uma promessa. O coitado perdeu finalmente a virgindade aos 41 anos e eu presenteei-o com o colete. Perdeu-a com uma reformada corcunda de 69 anos. São gostos. O berbicacho é que me esqueci de comprar um colete novo e o agente já estava com ela fisgada para me multar… quando me lembrei do colete do EGT. “Espere lá, chefe! Eu afinal tenho aqui um colete.” Mostrei-lho e ele condescendeu: “Bem, não é reflector mas é florescente. Por hoje passa, mas compre um como manda a lei. Certo?” Só por isso já valeu a pena ser finisher.

 

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A Ana Rocha confessou, na sua página de facebook, que a Sofia Roquete deu-lhe um abraço quando esta a ultrapassou na última subida do EGT. É bonito? É. Acontece que elas não foram as únicas a espalharem mimo pelos trilhos da Serra da Estrela. Eu também espalhei. Ai se não espalhei! Sempre que ultrapassava um atleta, apalpava-lhe o rabinho. Não acreditam? Perguntem ao Gonçalo Mota. Ultrapassei-o doze vezes. Além disso, sempre que nos abastecimentos me cruzava com o Farfas Farfinhas, dava-lhe um xi-coração.

 

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Com a chancela de uma das referências incontornáveis do Trail Nacional, o Armando Teixeira conseguiu reunir no EGT muitos dos melhores atletas nacionais. A vitória sorriu, todavia, a um estrangeiro. Oriundo dos Estados Unidos da America, Thiago Jurek—irmão mais novo da lenda viva Scott Jurek—venceu de forma convincente, cumprindo os 90k e 5.300D+ do EGT no brilhante tempo de 10h09. As semelhanças são evidentes: mesmo cabelo encaracolado, mesma bandolete e mesma marca de mochila.

 

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Rescaldo TLSM 2016

por Pedro Caprichoso, em 18.05.16

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Quero dedicar a minha prestação no TLSM—Trail Longo de São Mamede a uma pessoa muito especial. Sem ela, nada disto seria possível. É nela em que eu penso nos maus momentos—e nos bons também. No fundo, estou sempre a pensar nela. Obrigado, Jérôme. O meu 6.º lugar também é teu. O Lince disse-me que precisava de “soltar-se” e eu aceitei aquecer com ele meia-hora antes do tiro de partida. Atenção que o “soltar-se” do Jérôme tem dois sentidos: há o “soltar-se” a nível muscular e há o “soltar-se” a nível intestinal. Certo é que ele abafou-me nos dois sentidos—e eu, em boa hora, resolvi abdicar da estratégia que havia preparado para a prova. O plano era partir a matar, aproveitar o facto do Jérôme e do Ricardo virem de lesões, queimá-los e dar-lhes um bigode de maneira a cair nas boas graças da direcção da EDV-Viana Trail. Estou farto de ser o número 3 aos olhos do nosso Presidente. No entanto, depressa tirei o cavalinho da chuva quando senti que o careca estava mais forte do que eu—e fui obrigado a encarar a prova com mais juízo. Escapei assim ao homem da marreta, terminei a prova a dançar o vira e ainda sobraram-me pernas para fazer o EGT.

 

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O felino aproveitou o aquecimento para ir ao monte aliviar a tripa. Tudo normal. O que não é normal é o cocó ter saído florescente. Como é que eu sei? Sei porque era de noite. A prova começou à meia-noite, lembram-se? Eu estava a 20 metros do cagão e os excrementos eram visíveis a essa distância. Não admira que depois tenha havido pessoal a perder-se nos primeiros 500m de prova. Confundiram o cocó com a sinalização da organização e lixaram-se. Parece que as fezes florescentes são resultado de um novo protótipo das barras Olimpo. As Barras “Simpson” são polvilhadas com pepitas de urânio e plutónio—e foram desenvolvidas em homenagem ao trabalhador de central nuclear mais famoso do mundo: Homer Simpson. Aproveitando a deixa, uma vez que «quando caga um português, cagam logo dois ou três», também eu arreei o calhão de maneira a partir mais leve. Como não tinha toalhitas comigo, vi-me porém obrigado a limpar o rabo a uma fita. Voltei a colocá-la no sítio, como é evidente, pese embora lhe ter dado o vento e ter levado com o lado borrado na cara. É a Lei de Murphy em acção.

 

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Uma grande equipa vê-se nos detalhes. Exemplo: para a EDV-Viana Trail, uma prova não começa com o tiro de partida. Começa muito antes do que isso. Foi por isso lindo assistir ao trabalho de equipa levado a cabo pelo Jérôme e pela Fernanda Verde. Estávamos já todos reunidos, como gado, à espera da largada, quando um grupo de meninas se junta à minha frente. A saber: Cristina Couceiro, Fernanda Verde, Sara Brito e Salete Tavares. Inicialmente falavam de moda, censuravam as atletas decotadas e cortavam na casaca dos seus respectivos. Nisto, do nada, a Fernanda atira: “Já viram a mochila do Jérôme? Está muito gira.” E enquanto as outras admiravam a dita mochila, a Fernanda aproveitou e, pelas costas, encheu-lhes as mochilas com pedras. É verdade que de pouco lhe serviu, já que a atleta da EDV-Viana Trail foi obrigada a desistir no seguimento de uma gripe mal curada. Ainda assim, seja como for, foi lindo de ver. Orgulho!

 

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O Jérôme ficou amuado porque não foi o único a estrear equipamento novo em Portalegre. Pedro Marques—também conhecido como o Ranheta Cinquentão—participou no UTSM e estreou uma t-shirt em homenagem a este post do TopMáquina. Quanta honra! Quanto caganço! Quanto desespero! Tanto trabalho só para aparecer novamente neste espaço. É triste ao ponto a que as pessoas chegam. Há quem já me tenha oferecido o seu corpinho como forma de pagamento. A propósito, aproveito para informar que não gosto de homens de meia-idade. Prefiro-os mais novinhos—e tenrinhos. Só é pena o Facada ter-se cortado—deve estar a poupar-se para uma prova de aldeia—e o Cocó tenha escolhido participar no TLSM. Tivessem todos disputado o UTSM e teriam certamente vencido por equipas.

 

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O Rui Luz enganou-se no último km, cortou caminho e acabou à frente do Jérôme sem tê-lo ultrapassado. Perante isto, exibindo o fair play que o caracteriza, o javali escreveu o seguinte na sua página do facebook: “Caso algum dos atletas/equipas se sinta prejudicado com o facto de eu ter sido classificado na prova, poderá escrever aqui, enviar mensagem privada ou contactar a Organização.” Assim sendo, dirijo-me por este meio ao Rui de maneira a informá-lo de que me sinto extremamente prejudicado. Não pelo teu erro involuntário—o percurso no local em causa mudou em relação aos anos anteriores e eu próprio ter-me-ia enganado se o Semedo não me tivesse avisado—mas antes pelo teu penteado. Eu gosto de ser o centro das atenções e tu, com o teu penteado, roubaste-me o protagonismo. Basta dizer que, em Portalegre, só autografei 2 soutiens e 3 cuecas de homem. Resta dizer que o Rui foi inicialmente alvo de uma penalização de 5min e que o Jérôme recusou-a. Achou pouco. Queria mais. O Rui fez-lhe então uma nova proposta: juntou-lhe mais 2min de penalização e uma massagem relaxante depois do duche. Escusado será dizer que o Lince aceitou na hora. “Nesse caso, esquece os 2min. Chega-me a massagem”, rematou ele.

 

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A Organização está de parabéns. Finalmente uma prova que presenteia os atletas com um conjunto de prémios com utilidade e aplicabilidade no dia-a-dia. Pessoalmente, estou farto de bibelots. Foram 8h de viagem entre Viana do Castelo e Portalegre e, à vinda, demos uso às cadeiras de cortiça e às garrafas de vinho para fazer um piquenique a meio da viagem. O nosso Presidente está infelizmente com excesso de peso (ver vídeo abaixo) e sentou-se no troféu do Ricardo, partindo-o. Vendo-o partido, o vencedor do TLSM amuou e mamou uma garrafa de penalti.

 

 

Termino partilhando alguns exercícios de descompressão recomendados pelo departamento médico da EDV-Viana Trail. Realizem-nos 1h após a prova e prometo-vos de que no dia seguinte sentir-se-ão como novos. São exercícios anti-empeno. Em baixo, em primeiro plano, vemos o nosso Presidente a descomprimir os meus glúteos com a sua zona pélvica. Em segundo plano, temos o nosso Director Técnico a alongar os Isquiotibiais da nossa campeã Fernanda Verde. Não têm de quê.

 

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Lista de Favoritos Tugas ao EGT

por Pedro Caprichoso, em 18.05.16

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1. Luís Duarte 

O homem ganhou o UTAX e é um autêntico “bombardeiro” neste tipo de terreno, onde a força é o que mais conta. Além disso, fez o EGT2015 e conhece bem o percurso. Lembro-vos que ele em 2015 seguia isolado a poucos kms da meta—e depois perdeu-se ou sofreu uma insolação. Já não me recordo bem. Foi uma das duas.

 

2. Nuno Silva

É preciso dizer mais alguma coisa em relação ao Nuno? São muitos anos a virar frangos em provas de Endurance, sempre ao mais alto nível. Vê-lo fazer 5h24 na Taça Ibérica de Trail em ritmo de treino é um excelente indicador. Só não o coloco a par do Luís porque o bombardeiro ficou à frente dele no UTAX.

 

3. Ricardo Silva / André Rodrigues

O Ricardo tem maior e melhor historial em provas de Endurance. Por outro lado, o Ricardo vem de lesão e o André parece-me em melhor forma. Equivalem-se, portanto. Ainda vão acabar de mãozinhas dadas como nos Abutres.

 

5. Tiago Aires

Apareceu de surpresa no mundo do Trail Nacional—e, o mínimo que se pode dizer, é que chegou, viu e venceu. No entanto, nunca fez uma prova de Endurance. Poderá fazer pódio. Não digo que não. Mas para isso terá de fazer uma prova muito inteligente no sentido de gerir as dificuldades inerentes a tipo de prova—e fazer essa gestão sem a experiência da competição (em Endurance) não é fácil.

 

6. Jérôme Rodrigues

Só não meto o meu Xuxu à frente do Tiago porque o Lince vem de lesão e ainda não se encontra nas melhores condições. Todos sabemos, no entanto, que o seu ponto forte é a Endurance. Prometi-lhe uma massagem completa caso ele fique no top50.

 

[Não me pronuncio em relação aos “estranjas”, uma vez que não os conheço bem. Reconheço os nomes, mas não os tenho acompanhado. No entanto, é evidente que vão estar na luta.]

TrailCoaching

por Pedro Caprichoso, em 05.05.16

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É preciso uma cara-de-pau do caralho para ser-se Lifecoaching. Auto-intitular-se “Lifecoach” é o mesmo que afirmar, de nariz empinado, que se é melhor do que os outros. Não há outra forma de encarar esta pseudo-profissão. O adjectivo “arrogante” é simpático demais para qualificar esta gente. Burlão é mais adequado. Olhar uma pessoa nos olhos e afirmar que somos melhores do que ela (nesta coisa a que chamamos vida) tem um nome: fraude. Não há outra palavra.

 

Já repararam que os Lifecoaches são todos jovens? Seria expectável que fossem mais velhos: gente vivida, experimentada, calejada—cuja sabedoria ser-nos-ia transmitida em função da sua experiência de vida. Mas não: são todos jovens, na casa dos trintas e quarentas, de corpo ripado e sorriso branqueado. Sabem quem é o meu Lifecoach? O meu avô.

 

O que me alegra é saber que estes parasitas, mais tarde ou mais cedo, vão meter o pé na poça. É uma questão de tempo. E, quando esse dia chegar, serão expostos por aquilo que são na realidade: fraudes; vendedores de banha da cobra; burlões dos tempos modernos; campeões da treta; especialistas da verborreia; técnicos superiores da aldrabice; bocas de esterco; trafulhas com o dom da palavra; vigaristas munidos com um cardápio de frases feitas e lugares comuns vomitados sem um pingo de vergonha. É só uma questão de tempo.

 

Vivemos num mundo de certezas, em que os mais certos—ou, pelo menos, os mais assertivos na sua certeza—são retractados como os mais fortes. Certeza é sinónimo de força, de carácter, de liderança—e hoje em dia temos todos de ser lideres, não é? Hoje não há espaço para dúvidas, hesitações ou perguntas. Tudo são frases feitas, vomitadas por um sorriso branqueado entre o jornal da noite e os bastidores da selecção. A felicidade é-nos vendida em pequenas concentrações de certeza—e à certeza vem sempre associada a simplicidade, a rapidez, a solução milagrosa, tanto faz se para a prisão de ventre se para os problemas amorosos. Há solução para todos os males, conquanto esta não nos tome mais do que 5 minutos por dia e traga como oferta um conjunto de facas de carne se formos um dos primeiros a ligar. Se aprendi alguma coisa em 35 anos de vida, é que a vida é muito complexa. Duvidem sempre das pessoas que parecem muito certas do que dizem e apresentam soluções simplistas para problemas complexos. Eu incluído. A verdade é que ninguém sabe o que anda a fazer: andamos todos às apalpadelas, a tentar perceber como é que “isto” se faz. E se isto é verdade na nossa vida social e profissional, é-o ainda mais na nossa vida pessoal.

 

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Dito isto, se o Gustavo Santos pode, eu também posso. O Gustavo Santos não é melhor do que eu. Eu também sou bonito, musculado e tenho uma cara-de-pau do caralho. Passe a modéstia, considero-me um vigarista de alto gabarito. O meu conceito é, porém, menos ambicioso. Não pretendo ser Lifecoach; contentar-me-ei em ser Trailcoach. Trailcoach é um conceito que vai para além do treino. O treino não me interessa. Para isso existem Treinadores com formação na área da Educação Física. No fundo, trata-se de aplicar a filosofia do Lifecoaching ao Trail Running. O meu pacote de TrailCoach inclui 10 sessões de empowerment com a aquisição de capacidades mentais ao nível de um super-herói da Marvel; um workshop de fotografia no âmbito das selfies; um catálogo de dicas para sacar patrocínios; um calendário de provas de aldeia para obter resultados à campeão; um tutorial de caganço nas redes sociais; um manual de engate de atletas de Trail; e um curso à distância de escrita criativa aplicada às crónicas de corrida. Tudo isto pela módica quantia de €499/mês—ou em suaves prestações de €200/semana. Não se atropelem, que eu chego para todos!

Rescaldo nos bastidores do MIUT 2016

por Pedro Caprichoso, em 29.04.16

Marquei voo para a Madeira no mesmo dia em que um colega de equipa me ofereceu a sua inscrição no MIUT. Surgiu-lhe um imprevisto e eu não tinha nada melhor para fazer nesse fim-de-semana. Era isso ou ficar em casa, de pijama, a preencher a declaração de IRS e a tirar macacos do nariz. Tirar macacos do nariz e colá-los por baixo do sofá é um dos meus passatempos preferidos. Pensei, na minha hercúlea ingenuidade, que a 2 meses da prova seria possível mudar o nome da inscrição. Não foi. O ponto 3 do regulamento do MIUT não permite a transmissão da inscrição para outro atleta. Apenas o reembolso é permitido, mediante apresentação de certificado médico. Mas quem é que no seu juízo perfeito se lembra de ler regulamentos? O regulamento de uma prova é o equivalente ao rótulo das embalagens de douradinhos, às instruções de utilização de preservativos, aos contratos de crédito habitação e aos procedimentos de segurança dos aviões. Ninguém lê essa merda! Não obstante, por muito quer me custe, hoje não tenho outro remédio senão agradecer à Organização. Obrigado por me terem impedido de participar no MIUT. Se tivesse participado, o mais provável é que tivesse falecido a meio do Pico Ruivo e amanhã por esta hora estaríamos todos a assistir à minha missa de sétimo dia.

 

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Com a minha declaração de IRS preenchida, validada e devidamente submetida, resolvi ficar com o voo e parti rumo à Madeira com vista a dar assistência aos meus colegas de equipa. O objectivo era acompanhar os últimos 40k da prova no terreno e aproveitar para fazer um treino longo. No total ainda fiz 55k com 3.000D+, mais do que aqueles que logo aos 30k fizeram pisca à direita e encostaram a carroça em Estanquinhos. Segundo testemunhos no local, alguns meteram logo 4 piscas. Partiram a embraiagem a meio da subida e nem tempo de encostarem tiveram. Coitados. Que pena. Estão a ouvir isto? Isto é o violino mais pequeno do mundo a tocar uma melodia surda em honra das vítimas do MIUT.

  

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 [As vítimas da EDV-Viana Trail estavam todas alinhadas à partida. É como se já desconfiassem. Que patos!]

  

Para outros, o mais difícil da prova foi mesmo chegar ao Funchal. Para mim também não foi pêra doce. Primeiro, no Aeroporto do Porto, confundiram o meu isotónico com droga—tinha-o escondido em saquinhos de plástico transparente no meio da minha roupa interior, entre cuecas e ceroulas—e chamaram-me à parte para ser revistado. Depois, o avião aterrou na ilha errada (Porto Santo) por causa do mau tempo e tive de esperar 3h no lobby do hotel até sermos informados de que, afinal, não havia quartos para todos—e que os restantes (eu incluído) teriam de ficar noutro hotel. Pior do que tudo, ainda assim, foi ver o efeito que esta situação teve no Jérôme. O meu Xuxu tinha aterrado no dia anterior, foi-me esperar ao Aeroporto do Funchal e ficou desconsolado quando o informei de que passaria a noite em Porto Santo. O coitado teve de dormir sozinho. Sugeri-lhe que metesse mais uma manta na cama para não ter frio. A minha viajem de ida só não foi uma seca maior porque deu para meter conversa com outros atletas. Sabem como identificar um atleta de Trail num aeroporto? É fácil: são aqueles que exibem as suas t-shirts, camisolas, casacos e coletes de finisher das provas mais duras que fizeram até à data. Mais fácil ainda é identificar as fãs do TopMáquina: são aquelas que se atiram aos meus pés, histéricas, exigindo um seio autografado.

 

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 [Muita camisola de finisher do UTAX andou a passear pela Madeira.]

 

No dia da prova levantei-me às 6h00 da manhã e fui à pata do Funchal ao Pico Areeiro, primeiro por estrada até ao Poiso (abastecimento dos 90k) e depois daí ao Areeiro usando o percurso da prova em sentido contrário. Uma vez que a Organização previa a passagem do primeiro atleta por volta das 10h30, qual não foi o meu espanto quando me cruzei com o líder da prova na descida após o Areeiro. Eram 9h40 e o americano javardolas já levava 50min de vantagem em relação ao recorde da prova. Incentivei-o à sua passagem no meu inglês macarrónico e ele agradeceu de boca cheia com um simples “Obrigado”, projectando uma manada de gafanhotos de chocolate na minha direcção. Sei que os gafanhotos eram de chocolate por causa da cor (castanha) e porque depois vi-o num posto de abastecimento a comer chocolate como um javardo. Resultado: fiquei com a minha t-shirt de finisher do Trail de Afife toda borrada. Era a minha t-shirt preferida. Digo “era” porque já a vendi no ebay por uma pequena fortuna. Uma t-shirt simples vale pouco, mas borrada com o ADN do Zé Miller vale 500 dólares.

 

 

Os especialistas prevêem que a vitória esmagadora do Zé Miller terá efeitos profundos no Trail Nacional. Os portugueses nunca viram nada assim, e muitos são os atletas “tugas” que já alteraram o seu plano de treinos. “Correr à labrego” e “comer à javardo” são duas actividades que muitos passaram a incorporar nas suas sessões de treino semanal. A EDV-Viana Trail não anda a dormir e já pediu patrocínio aos chocolates Avianense e encomendou 5 passadeiras com vista a instalá-las no navio Gil Eanes. Relembro que o Zé trabalhava em cruzeiros e passava as noites a treinar nas passadeiras do ginásio e escadarias do barco enquanto os seus colegas relaxavam no bar. Pessoalmente, fiquei contente por saber que ele usa os mesmos géis que eu. Quer isto dizer que estou no bom caminho. Agora só me falta comprar umas Nike manhosas na Sportzone e um Casio na feira de Ponte de Lima para ganhar o MIUT 2017. Tenho pena dos representantes portugueses da Suunto e da Garmin, pois vão ressentir-se nas vendas. O pessoal já se apercebeu de que, afinal, não é preciso um relógio GPS para ganhar o MIUT. E que panenleirice é essa dos impermeáveis e corta-ventos? Isso é para meninos! Homem que é homem faz o MIIUT todo em mangas cavas.

 

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O MIUT, não só foi um sucesso organizativo, como também lançou novas tendências. Bastões artesanais e manguitos cor-de-lagosta foram algumas das inovações com estreia mundial na Madeira. Vi alguns atletas—nomeadamente estrangeiros—com bastões de madeira. Aos olhos dos mais distraídos, quase parecia que os bifes se tinham arrependido de não terem trazido os seus bastões de carbono e subiram o Pico Ruivo com o auxílio de muletas fabricadas pelo caminho. Quanto aos manguitos cor-de-lagosta, estes ainda tiveram mais sucesso. Ninguém partiu com eles, mas todos os exibiam na meta.

 

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A Organização esteve ao mais alto nível: logística impecável, segurança exemplar, abastecimentos fartos e marcações perfeitas. O MIUT não se livrou, porém, de um escândalo de dimensões apocalípticas. Designá-lo-emos por “Isotónicogate”. No primeiro abastecimento (Fanal, 17,7k), os voluntários informavam os atletas de que o isotónico aí disponibilizado só podia ser consumido no local por meio de copo. Ou seja, os atletas não podiam abastecer-se e bebê-lo pelo caminho. Não dava para todos, justificavam eles. E eu pergunto: se não dava para todos, para que raio disponibilizá-lo in the first place? Nesse caso, queria ver quem é que me impediria de beber 69 copos de penalti? Posto isto, muitos saíram do abastecimento com a boca cheia de isotónico, cuspiram-no depois no seu reservatório de hidratação e diluíram-no em água. Estamos, portanto, perante o primeiro abastecimento homeopático da história do Trail Mundial.

 

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Perdi a minha boleia no Poiso e fiz os últimos 26k na companhia do trilho maravilha—Cocó, Ranheta e Facada. Que é como quem diz: Faria, Marques e Martins. O primeiro deu o litro e fechou a equipa EDV-Viana Trail, levando-a a um brilhante 3.º lugar à Geral. O segundo fez a prova toda com a palmilha da sapatilha esquerda a sair-lhe pelo calcanhar e, ainda assim, venceu o escalão M50. O terceiro tem um rabo muito bom. Emocionei-me ao ver a forma como os três percorreram os últimos quilómetros. Sempre que um caminhava, os outros caminhavam; sempre que um corria, os outros corriam; sempre que um bebia, os outros bebiam; sempre que um parava para mijar, os outros mijavam também; sempre que um apalpava o rabo a uma caminheira, os outros apalpavam também. O Trail é isto: entreajuda, camaradagem, aliviar a tripa e apalpar rabos. A competição pouco importa, tanto que hoje em dia somos todos campeões. Tantas foram as cerimónias de pódio do MIUT, que perdi a conta ao número de vencedores. Com classificações à Geral, ATRP, Regional e Escalões Etários, é quase impossível não sacar uma classificação à campeão. Ouvi um tipo gabar-se por ter sido o 6.º Madeirense M45 no Mini-Trail. Só faltava dizer que tinha sido o melhor da sua rua.

 

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Fiz questão de não tirar uma selfie com o Zé Miller. Ele bem implorou, mas eu mandei-o passear. Chato de merda! Passou o Domingo todo a pedir aos portugueses para tirarem uma selfie com ele. Eu cá não tenho tempo para americanos javardos. Prefiro portuguesas com boas maneiras à mesa!

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