O sofrimento é coisa que não me assiste
por Pedro Caprichoso, em 20.09.18
Vejo resmas de pessoal das corridas—seria exagerado chamar-lhes atletas—a queixarem-se de que sofrem muito a treinar, sofrem muito a competir e sofrem muito pelo tempo roubado à família e vida social. A sério que nunca percebi essa cena do sofrimento. Lamento, mas o sofrimento é coisa que não me assiste. Vamos lá ver se consigo fazer-vos ver o meu ponto de vista recorrendo a uma coisa em desuso chamada lógica:
1. Se competes é porque gostas, certo? Se sofres e não gostas, para quê competir? Nesse caso, mais vale não competir. Certo?
2. Dizer que se abdica de isto e de aquilo dá a entender que alguém vos obriga a competir. No caso dos atletas profissionais ainda se percebe, pois o desporto é o seu sustento. Nos amadores, porém, não faz qualquer sentido. Ninguém obriga ninguém a fazer nada e vocês não devem nada a ninguém. Sofres a fazer desporto e estás a abdicar da tua vida pessoal? Fácil: faz menos desporto, sofre menos e passa mais tempo com a tua família e amigos. Acreditem: é tão simples quanto isso.
3. Acreditem se quiserem, mas eu só sofro quando levo com a marreta. De resto, recuso-me a sofrer. Uma coisa é o cansaço físico: estou disponível para lutar contra ele e ir até onde posso. A isso chama-se resiliência. Outra coisa é andar para aí com dores musculares, a treinar lesionado e a levar com a marreta dia sim dia sim, num estado de overtraining sem fim. A isso chama-se estupidez. E, perante a estupidez, desisto. Felizmente fui untado por nosso senhor jesus cristo e nunca tive uma unha negra, nunca treinei lesionado e tenho tido o discernimento de fugir a sete pés do homem da marreta, correndo de forma conservadora. Talvez por isso apenas desisti 4 vezes em prova—e fi-lo sem qualquer tipo de remorso. Sofrimento? Esqueçam lá isso. Isso é tão 1998.
Em suma: só faz sentido competir se o saldo for positivo no que toca à dualidade prazer / sofrimento. Caso contrário, desconfio que tenhas problemas mentais e sejas adepto de masoquismo.
Onde a porca torce o rabo é que muita gente não corre pelo simples prazer de correr. Para muitos, não é o acto de fazer desporto que os motiva. No fundo no fundo, bem espremidinho o limão, para muito boa gente conta mais o pós-prova—as crónicas, os gostos no facebook, a bajulação, a validação—do que a corrida em si. Quase parece que só correm para depois poderem publicar nas redes sociais e ser-lhes afagado o ego. Só assim se percebe a razão pela qual muita gente continua a fazer algo que dizem lhes causar tanto sofrimento. No caso, é porque o desporto não é o seu objectivo último. É outra coisa. E o desporto é apenas um meio de se obter essa outra coisa.